A
coisa mais árdua do mundo, depois do ofício de governar, seria
dizer a idade exata de D. Benedita. Uns davam-lhe quarenta anos,
outros quarenta e cinco, alguns trinta e seis. Um corretor de fundos
descia aos vinte e nove; mas esta opinião, eivada de intenções
ocultas, carecia daquele cunho de sinceridade que todos gostamos de
achar nos conceitos humanos. Nem eu a cito, senão para dizer, desde
logo, que D. Benedita foi sempre um padrão de bons costumes. A
astúcia do corretor não fez mais do que indigná-la, embora
momentaneamente; digo momentaneamente. Quanto às outras conjecturas,
oscilando entre os trinta e seis e os quarenta e cinco, não
desdiziam das feições de D. Benedita, que eram maduramente graves e
juvenilmente graciosas. Mas, se alguma coisa admira é que houvesse
suposições neste negócio, quando bastava interrogá-la para saber
a verdade verdadeira.
D.
Benedita fez quarenta e dois anos no domingo dezenove de setembro de
1869. São seis horas da tarde; a mesa da família está ladeada de
parentes e amigos, em número de vinte ou vinte e cinco pessoas.
Muitas dessas estiveram no jantar de 1868, no de 1867 e no de 1866, e
ouviram sempre aludir francamente à idade da dona da casa. Além
disso, veem-se ali, à mesa, uma moça e um rapaz, seus filhos; este
é, decerto, no tamanho e nas maneiras, um tanto menino; mas a moça,
Eulália, contando dezoito anos, parece ter vinte e um, tal é a
severidade dos modos e das feições.
A
alegria dos convivas, a excelência do jantar, certas negociações
matrimoniais incumbidas ao cônego Roxo, aqui presente, e das quais
se falará mais abaixo, as boas qualidades da dona da casa, tudo isso
dá à festa um caráter íntimo e feliz. O cônego levanta-se para
trinchar o peru. D. Benedita acatava esse uso nacional das casas
modestas de confiar o peru a um dos convivas, em vez de o fazer
retalhar fora da mesa por mãos servis, e o cônego era o pianista
daquelas ocasiões solenes. Ninguém conhecia melhor a anatomia do
animal, nem sabia operar com mais presteza. Talvez — e este
fenômeno fica para os entendidos — talvez a circunstância do
canonicato aumentasse ao trinchante, no espírito dos convivas, uma
certa soma de prestígio, que ele não teria, por exemplo, se fosse
um simples estudante de matemáticas, ou um amanuense de secretaria.
Mas, por outro lado, um estudante ou um amanuense, sem a lição do
longo uso, poderia dispor da arte consumada do cônego? É outra
questão importante.
Machado
de Assis, in D. Benedita
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