sexta-feira, 29 de abril de 2016

Os oblíquos

É fácil conviver com os raivosos e lineares, mas não com os capciosos e oblíquos. O oblíquo, por sua própria natureza, é cheio de ângulos, de arestas, de sinuosidades. Como personagens, são extraordinários. Jamais são planos. Sempre redondos. Mas a vida não é literatura.
Na vida, você diz A, e o oblíquo entende A1. Ou ele diz A, mas é preciso entender que está dizendo A1. Essa pequena distorção, aparentemente insignificante, de meio grau, um grau, é, no entanto, venenosa, destrutiva.
O oblíquo, em geral, se trai por uma expressão típica:
Sim, mas...
O oblíquo não é capaz de dizer não. O não, para ele, é um anátema, um desaforo, um excesso de autenticidade.
Ao dizer “Sim, mas...”, ele concorda contigo, mas a própria expressão idiomática é uma contradição. Se é sim, é sim. Não há mas. Se há mas, não há sim. É simples, é uma questão de lógica, e de caráter.
O mas é a distorção – de meio grau, um grau. E é aí, nesse vão, nessa fissura, que penetra a subjetividade do oblíquo.
Um diálogo, com um oblíquo, é um monólogo. Porque ele não fala contigo, ele fala com a subjetividade dele, ele fala com a distorção. E quanto mais longa e generosa for a tua tentativa de comunicação genuína com um oblíquo, mais se abrirá a distância entre A e A1, embora o ângulo continue de meio grau, um grau. Aí quando reclamares, o oblíquo sorrirá com bonomia, como se dissesse: mas é só meio grau, estás fazendo tempestade em copo d´água.
Charles Kiefer, in Para ser escritor

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