Há tantos amores na vida de um homem! Aos quatro
anos, ama-se os cavalos, o sol, as flores, as armas que brilham, os uniformes
de soldado; aos dez, ama-se a menina que brinca conosco.; aos treze, ama-se uma
mulher de colo túrgido, porque me lembro de que o que os adolescentes amam
loucamente é um colo de mulher, branco e mate, e como diz Marot:
Tetin refaict plus blanc qu'un oeuf
Tetin de satin blanc tout neuf.
Quase me senti mal quando vi pela primeira vez os
seios desnudados de uma mulher. Por fim, aos catorze ou quinze anos, ama-se uma
jovem que vem a nossa casa, e que é um pouco mais que uma irmã, menos que uma
amante; depois, aos dezesseis anos, ama-se uma outra mulher, até aos vinte e
cinco; depois, talvez se ame a mulher com quem casamos. Cinco anos mais tarde,
ama-se a dançarina que faz saltar o seu vestido sobre as suas coxas carnudas;
por fim, aos trinta e seis, ama-se a deputação, a especulação, as honrarias;
aos cinquenta, ama-se o jantar do ministro ou do presidente da câmara; aos
sessenta, ama-se a prostituta que nos chama através dos vidros e a quem se
lança um olhar de impotência, uma saudade do passado. Não será assim?
Porque eu
passei por todos esses amores; não todos, porém, porque não vivi todos os meus
anos, e cada ano, na vida de muitos homens, é marcado por uma paixão nova,
paixão das mulheres, do jogo, dos cavalos, das botas finas, das bengalas, das
lunetas, das carruagens, da posição. Quantas loucuras há num homem! Oh! não há
a menor dúvida de que os matizes de um traje de arlequim não são mais variados
do que as loucuras do espírito humano, e ambos chegam ao mesmo resultado:
ficarem coçados e fazerem rir durante algum tempo, o público em troca do seu
dinheiro, o filósofo em troca da sua ciência.
Gustave Flaubert, in Memórias de um Louco
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