terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

A gravidez do poder

Imagem: Google


A força do poder nasce e morre no estuário da vulnerabilidade. No que se refere à condição humana. No que tange ao “sistema” essa força é permanente e fora do controle pessoal.
O poder engravida de vaidade, presunção, luminosidade e sensação de potência. Tudo isso convive na gestação. Ao fim, dá à luz a solidão. O Ex é um cultivador do capim que prospera no batente do seu retiro.
Algumas cenas brutais desse contraste ficaram tatuadas na memória como símbolos da repetição quase monótona do ritual desse teatro.
Uma delas com a esposa de Mao Tsé-Tung, após ser despojada da mais fantástica soma de poderes que já teve uma mulher. Senhora da vida e da morte numa nação. No tribunal, onde se punha para ser julgada, ela tentou impor sua autoridade. Foi subjugada por um simples soldado; esbofeteada e algemada, em público.
Na Libéria, todo o Ministério do governo deposto foi amarrado em estacas, para a humilhação pública, antes da execução. Alguns, como o Ministro da Defesa, defecaram nas calças. O único que manteve a dignidade foi o Ministro da Agricultura, o menos poderoso do grupo.
Na sua dacha, Nikita Kruschev, ex-senhor da União Soviética, cultivava tomates e ostracismo. Certa vez, ao passar por uma plantação reclamou do proprietário sobre o método empregado naquele cultivo de tomates. O agricultor, ao reconhecê-lo, respondeu: “Passe calado, pois você não manda mais em nada”.
Vi, numa ocasião, Cortez Pereira ser destratado por um ex-bajulador. O fim do poder produz o ex-chefe e o ex-babão.
Luiz Maria Alves, tempos do Diário de Natal, tinha assento de honra aonde chegasse. Testemunhei um episódio que configura o presente texto. Na promulgação da Lei Orgânica de Natal, de cuja sistematização participei, o ilustre jornalista já havia deixado a direção do Diário e tentava fundar um ouro jornal.
No início da solenidade, ele entra e ninguém toma conhecimento. Ficou em pé, com o braço escorado na soleira de uma janela. Incomodado com o descaso, fui até ele, peguei-o pelo braço e o fiz sentar-se na minha cadeira. O Presidente Sid Fonseca determinou que se providenciasse outra cadeira para mim.
Não foi só pela dívida de gratidão que tinha com ele, quando de uma discussão com o então Secretário de Segurança, Coronel Delgado. Precisei responder ao Secretário sobre uma declaração ameaçadora que ele me fizera.
Preparei um texto duro e fui bater à porta da imprensa. Ao passar pela Rio Branco, avistei Luiz Maria Alves. Aproximei-me e perguntei se podia entregar-lhe aquele texto. Ele pegou o cachimbo com a mão esquerda e com a direita recebeu o envelope.
No dia seguinte, a carta estava publicada no Diário de Natal, com chamada em destaque na primeira página.
Meu pequeno gesto foi imitação do seu gesto maior. Té mais.
François Silvestre, in Novo Jornal

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