segunda-feira, 28 de julho de 2025

1576 – Guanajuato

Dizem os frades:

Chegou ao México há vinte anos. Duas pombas a guiaram até Guanajuato. Sem um arranhão chegou, embora tenha cruzado o mar e atravessado o deserto e tenham-se extraviado os que a traziam. O rei a mandou para nós, em gratidão pelas riquezas que a jorros brotam, sem nunca cessar, das entranhas destes montes.
Durante mais de oito séculos, ela tinha vivido na Espanha. Sobreviveu escondida, oculta dos mouros, em uma gruta de Granada. Quando os cristãos a descobriram a resgataram, não encontraram em seu corpo de madeira nenhuma ferida. Intacta chegou a Guanajuato. Intacta continua, fazendo milagres. A pobres e ricos consola da pobreza. Nossa Senhora de Guanajuato; e do frio salva os que dormem na intempérie ou em abrigado palácio. Em sua infinita indulgência, não distingue servos de senhores. Não há quem a invoque e não receba o favor divino.
Por sua graça estão se salvando, agora, muitos índios de Guanajuato que a ela acodem com arrependimento e fé. Ela deteve a espada do Senhor, que com justa fúria castiga nestes dias idolatrias e pecados dos índios do México. Não foram tocados pela peste os infelizes que a ela elevaram suas súplicas e pagaram a devida esmola.
Nas demais comarcas, morre de fome ou de pena o índio que não foi morto pelo tifo. Há cadáveres nos campos e nas praças e estão cheias de mortos as casas onde, morrendo todos, não ficou quem corresse para dar aviso. Por todo México vem erguendo a peste tal cheiro de podridão e fogueiras que temos de andar, os espanhóis, com os narizes tapados.

Eduardo Galeano, em Os Nascimentos

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