domingo, 30 de março de 2025

Páscoa

Velhice

é um modo de sentir frio que me assalta

e uma certa acidez.

O modo de um cachorro enrodilhar-se

quando a casa se apaga e as pessoas se deitam.

Divido o dia em três partes:

a primeira pra olhar retratos,

a segunda pra olhar espelhos,

a última e maior delas, pra chorar.

Eu, que fui loura e lírica,

não estou pictural.

Peço a Deus,

em socorro da minha fraqueza,

abrevie esses dias e me conceda um rosto

de velha mãe cansada, de avó boa,

não me importo. Aspiro mesmo

com impaciência e dor.

Porque sempre há quem diga

no meio da minha alegria:

põe o agasalho’

tens coragem?’

por que não vais de óculos?’

Mesmo rosa sequíssima e seu perfume de pó,

quero o que desse modo é doce,

o que de mim diga: assim é.

Pra eu parar de temer e posar pra um retrato,

ganhar uma poesia em pergaminho.

Adélia Prado, em Bagagem

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