sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Boato

As pessoas gostam de imaginar coisas. Quando foi anunciado que a princesa Diana da Inglaterra estava com uma doença nervosa que a fez emagrecer, e como o analista de Bagé foi visto no aeroporto do Rio de janeiro embarcando num voo internacional com sua garrafa térmica, logo surgiu o boato de que os dois fatos tinham ligação. Segundo o próprio analista, “pra boato e briga em bolicho, basta um cochicho”. A propósito, o analista de Bagé realça a importância sociológica da garrafa térmica, que aumentou em muito a mobilidade do gaúcho – já que chaleira e lenha vermelha são difíceis de carregar – e é hoje a segunda maior responsável pela evasão de gaúchos para outros estados, depois do governo.
Dizem que, apesar de um problema na alfândega de Londres – os pelegos e o fumo em corda foram confiscados para exame pelas autoridades sanitárias e o facão ficou – o analista de Bagé foi recebido “como vipe, tchê” e levado às pressas para o palácio, já que sua viagem fora a pedido da família Real. Qual teria sido a sua impressão de Lady Di?
Aquilo é potranca pra três guri e uma guaiaca. Quando a gente pensa que tá terminando, ainda tem mais. Oigalê raça troncuda!
Mas o analista de Bagé observa ria que a boa estrutura óssea da moça salta, literalmente, aos olhos, porque de carne não tinha mais quase nada. Aliás, recorreram ao analista de Bagé quando o último recurso, a acupuntura, foi descartado por falta do que espetar. Embora a sua crescente reputação internacional, o analista de Bagé só é chamado no fim de uma escalada bem definida: medicina convencional, curandeirismo, acupuntura e ele.
De acordo com o boato, antes de falar com a paciente, o analista de Bagé teria pedido um exame físico para investigar a possibilidade de que a tristeza da princesa tivesse alguma causa anatômica.
Impossible, sir. Nenhum homem pode examinar o corpo da princesa, muito menos um plebeu e muito menos de Bagé.
A princesa não. O príncipe.
No fim, ainda segundo a fantasia das pessoas, o analista de Bagé, depois de ouvir a princesa contar seus problemas, suas angústias e inquietações, teria diagnostica do: “Frescura.” E teria receitado uma dieta específica. Co m alguma dificuldade, pois seu inglês é da fronteira. Quer dizer, igual ao espanhol, só com o agá mais aspirado.
Foi más duro que ferra cavalo de estátua, tchê. A indiada não queria entendê o que é mogango com leite gordo!

Luís Fernando Veríssimo, em O Analista de Bagé

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