terça-feira, 5 de novembro de 2024

Um tipo divertido



Era a explosão do ano-novo: um caos de barro e de neve, atravessado por mil carroças, cintilando de brinquedos e doces, fervilhando de cobiças e desesperos, delírio oficial de uma cidade grande feito sob medida para perturbar o cérebro do solitário mais arredio.
Em meio a essa zoeira e barafunda, um asno trotava alerta, fustigado por um campônio armado de chicote.
Quando o animal estava prestes a fazer a curva numa esquina, um belo senhor de luvas, sapatos reluzentes, cruelmente engravatado e que mal se mexia no seu traje todo novo inclinou-se solene diante da humilde besta e lhe disse, tirando o chapéu:
Feliz ano-novo!
Em seguida virou-se na direção de sabe-se quem, pleno de satisfação, como para colher os cumprimentos que lhe seriam prestados pelos amigos.
O asno passou reto pelo belo tipo, e continuou a correr zeloso conforme lhe era exigido pelo dever.
Quanto a mim, fui tomado de uma raiva inexprimível daquele magnífico imbecil, que me pareceu concentrar em si o verdadeiro espírito da França.

Charles Baudelaire, em O spleen de Paris – Pequenos poemas em prosa

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