Miguel
Bastante
pele tinha deixado nos chicotes. O acusavam de trabalhar sem vontade
ou de perder a ferramenta e dizia o mordomo: “Que pague com o
corpo”. Quando iam amarrá-lo para outra dose de açoites, Miguel
arrebatou uma espada e perdeu-se na montanha.
Outros
escravos das minas de Buría fugiram atrás dele. Uns quantos índios
se somaram aos chimarrãos. Assim nasceu o pequeno exército que no
ano passado atacou as minas e investiu contra a recém-nascida cidade
de Barquisimeto.
Depois
os rebeldes vieram montanha adentro e longe de tudo fundaram, nas
margens do rio, este reino livre. Os índios jirajaras pintaram de
negro seus corpos, da cabeça aos pés, e junto com os africanos
proclamaram como monarca o negro Miguel.
A
rainha Guiomar passeia, rumbosa, entre as palmeiras. Range sua ampla
saia de brocados. Dois pajens erguem as pontas de seu manto de seda.
De
seu trono de pau, Miguel manda cavar trincheiras e levantar
paliçadas, designa oficiais e ministros e proclama bispo o mais
sabido dos homens. Aos seus pés, brinca com pedrinhas o príncipe
herdeiro.
– Meu
reino é redondo e de águas claras – diz Miguel, enquanto um
cortesão ajeita sua gola de rendas e outro estica as mangas do gibão
de cetim.
Já
se prepara em Tocuyo, ao mando de Diego de Losada, a tropa que matará
Miguel e aniquilará seu reino. Virão os espanhóis armados de
arcabuzes e cães e balestras. Os negros e os índios que
sobreviverem perderão suas orelhas ou seus testículos ou os tendões
de seus pés, para exemplo de toda Venezuela.
Eduardo Galeano, em Os Nascimentos
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