Tudo
o que contei no fim do outro capítulo foi obra de um instante. O que
se lhe seguiu foi ainda mais rápido. Dei um pulo, e antes que ela
raspasse o muro, li estes dois nomes, abertos ao prego, e assim
dispostos:
BENTO
CAPITOLINA
Voltei-me
para ela; Capitu tinha os olhos no chão. Ergueu-os logo, devagar, e
ficamos a olhar um para o outro... Confissão de crianças, tu valias
bem duas ou três páginas, mas quero ser poupado. Em verdade, não
falamos nada; o muro falou por nós. Não nos movemos, as mãos é
que se estenderam pouco a pouco, todas quatro, pegando-se,
apertando-se, fundindo-se. Não marquei a hora exata daquele gesto.
Devia tê-la marcado; sinto a falta de uma nota escrita naquela mesma
noite, e que eu poria aqui com os erros de ortografia que trouxesse,
mas não traria nenhum, tal era a diferença entre o estudante e o
adolescente. Conhecia as regras do escrever, sem suspeitar as do
amar; tinha orgias de latim e era virgem de mulheres.
Não
soltamos as mãos, nem elas se deixaram cair de cansadas ou de
esquecidas. Os olhos fitavam-se e desfitavam-se, e depois de vagarem
ao perto, tornavam a meter-se uns pelos outros... Padre futuro,
estava assim diante dela como de um altar, sendo uma das faces a
Epístola e a outra o Evangelho. A boca podia ser o cálice, os
lábios a patena. Faltava dizer a missa nova, por um latim que
ninguém aprende, e é a língua católica dos homens. Não me tenhas
por sacrílego, leitora minha devota; a limpeza da intenção lava o
que puder haver menos curial no estilo. Estávamos ali com o céu em
nós. As mãos, unindo os nervos, faziam das duas criaturas uma só,
mas uma só criatura seráfica. Os olhos continuaram a dizer coisas
infinitas, as palavras de boca é que nem tentavam sair, tornavam ao
coração caladas como vinham…
Machado de Assis, em Dom Casmurro
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