domingo, 30 de junho de 2024

Ode a Jaiminho Alça de Caixão

Jaiminho Alça de Caixão (de paletó, no enterro do arquiteto Oscar Niemeyer)

Um personagem da cidade do Rio de Janeiro que merece virar nome de rua e enredo de escola de samba é Jaime Sabino, o Jaiminho Alça de Caixão, homem que foi a mais de mil enterros e praticamente inventou a profissão de papagaio de pirata. É mister esclarecer: “papagaio de pirata” é a expressão popular que designa cidadãos estrategicamente localizados atrás dos jornalistas que fazem entradas ao vivo nas redes de televisão.
Além de frequentar enterros, Jaiminho apareceu ao longo da carreira em mais de cem entradas ao vivo de repórteres televisivos, sobre variados temas. Sempre estava de terno, mesmo no calor inclemente (tinha mais de duzentos, das tradicionais lojas Bemoreira Ducal, São João Batista Modas e Imperatriz das Sedas). Impecavelmente cortados, os cabelos do Alça de Caixão eram pintados de preto com os tabletes Santo Antônio; tintura popular das mais famosas e encontrada nos melhores estabelecimentos da cidade, como bancas de camelô e vagões de trens da Central do Brasil.
Jaiminho gostava de dizer que fugiu de casa aos sete anos de idade, em Feira de Santana, Bahia, porque era muito castigado no colégio. A família tinha condição de vida razoável, mas ele queria mais e veio para o Rio de Janeiro com o sonho de ser artista. Contracenou com Cauby Peixoto (fez o papel do irmão de Cauby em uma trama) e com a cantora Marlene em fotonovelas das revistas Amiga e Sétimo Céu. Tentou ainda a carreira cinematográfica. Seu maior momento como ator foi, na condição de figurante, ter tomado um soco de Jece Valadão em um filme da Atlântida. Costumava dizer, orgulhoso, que também teve grande desempenho no papel de um defunto anônimo no clássico O assalto ao trem pagador.
Jaiminho encontrou a vocação fúnebre quando Getúlio Vargas morreu e ele foi ao velório. Teve uma epifania e encontrou um sentido para a vida: frequentar enterros segurando a alça do caixão para, como dizia, “sentir o peso do defunto”.
Jaiminho nunca revelou como conseguia se infiltrar em enterros diversos, burlar esquemas de segurança, ficar ao lado de autoridades e eventualmente levar o defunto até, como gostava de dizer, a última morada. Chegou mesmo a dar autógrafos em diversos velórios, virou celebridade e conseguiu patrocínio para ir a enterros fora do Rio de Janeiro (como o de santa Dulce dos Pobres, na Bahia).
Profissionalmente, Jaiminho era lotado como “assessor de assuntos externos” da prefeitura de Nilópolis e torcedor da escola de samba Beija-Flor. Fundou um museu dos papagaios de pirata no bairro do Rocha, subúrbio carioca.
Jaiminho admitiu ter ficado apavorado em um único enterro na vida: o do Rei Momo Bola, que pesava trezentos quilos. Ele segurou a alça do esquife e preparou-se para o cortejo. Na hora do esforço para levantar o caixão, deu migué, teve um pico de pressão e abdicou do direito de conduzir Bola ao derradeiro destino.
Jaiminho também viveu um momento tenso quando, para não cair na tumba em que estava sendo depositado o caixão do governador Leonel Brizola, o prefeito Marcelo Alencar se escorou nele. Os dois quase foram parar na sepultura, fazendo companhia ao falecido maragato.
A rua que sugiro que homenageie Jaiminho é a Monsenhor Manuel Gomes, em frente ao cemitério do Caju, onde ele foi enterrado duas vezes, já que os coveiros erraram a sepultura em seu enterro e tiveram que desenterrar e sepultar novamente o falecido. A homenagem seria justa.

Luiz Antonio Simas, em Crônicas exusíacas e estilhaços pelintras

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