sexta-feira, 29 de abril de 2022

Grande-amor-da-vida

Ele conheceu o grande-amor-da-vida quando tinha quinze anos. Aprendeu num filme que o grande-amor-da-vida só existe um. Não saía mais de perto dela. Foram felizes por alguns anos. Acontece que o grande-amor-da-vida dele não era o grande-amor-da-vida dela, e ela nem acreditava nessa história de amor-da-vida nem em filmes de amor. Essas coisas acontecem (não nos filmes). Enquanto namoravam, foi bom. Depois, ela quis terminar e viajar pelo mundo em busca de outros amores-da-vida. Ele passou a vida investigando os outros amores-da-vida dela. Foi uma vida sem muitos amores-da-vida, porque foi vivida para que o grande-amor-da-vida dele não tivesse outros grandes-amores-da-vida. Não deu certo. O grande-amor-da-vida dele teve uma dúzia de amores-da-vida. Aos vinte e sete anos, ele estava deprimido porque o grande-amor-da-vida estava se casando com um dos grandes-amores-da-vida dela. Não deu bola para uma mulher que, se ele tivesse ouvido falar, entenderia se tratar do maior-amor-do-mundo. Aos trinta, conheceu o amor-da-vida-inteira num bar, mas o confundiu com uma mulher-chata-que-fala-demais. Aos trinta e dois, só viu espinhas numa moça que, numa vida alternativa, seria o amor-mais-legal-do-mundo. A primeira pessoa a alertá-lo desse desperdício de amores foi seu melhor-amigo. Deixou de ser o melhor-amigo e passou a ser só um amigo-que-não-quer-me-ver-feliz-com-o-grande-amor-da-vida. Aos trinta e cinco anos já tinha deixado passar vinte e nove sexos-inesquecíveis e oito amizades-profundas. Aos quarenta anos, o grande-amor-da-vida dele (quem diria, ela mesma) resolveu dar uma segunda chance ao passado e reviver aquele que foi, pra ela, só o primeiro-amor-da-vida. Ele precisava tanto ser feliz que não foi. E ela voltou a procurar o grande-amor-da-vida no futuro, não mais no passado. Ele se voltou para o presente e mal deu tempo de viver um ou outro sexo-surpreendente. Pode ser que o grande-amor-da-vida seja um só. Mas os amores-da-vida são muitos, e acontecem o tempo todo — grandes, pequenos, gigantescos.

Gregório Duvivier, in Put some farofa

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