quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

Magush


Uma bruxa tessálica leu o destino de Polícrates nos desenhos deixados pelas ondas na praia ao regressarem ao mar; uma vestal romana adivinhou o de César em um montinho de areia em torno de uma planta; o alemão Cornélio Agrippa usou um espelho para ler seu futuro. Alguns bruxos da atualidade leem o destino nas folhas de chá ou na borra de café no fundo de uma xícara, alguns em árvores, na chuva, nas manchas de tinta ou na clara do ovo, outros nas linhas das mãos, simplesmente; outros em bolas de cristal. Magush lê o destino no edifício desabitado que fica em frente à carvoaria onde vive. Os seis enormes janelões e as doze janelinhas do edifício vizinho são, para ele, como um baralho de cartas. Magush jamais pensou em associar janelas a cartas: eu é que pensei nisso. Seus métodos são misteriosos e só admitem uma explicação relativa. Ele me disse que, durante o dia, dificilmente consegue tirar conclusões, porque a luz atrapalha as imagens. O momento propício para realizar o trabalho é ao cair do sol, quando, pelas gelosias das janelas interiores, são filtrados certos raios oblíquos, que reverberam sobre os vidros das janelas da frente. Por causa disso, ele sempre marca seus clientes para a mesma hora. Eu sei, soube depois de muitas averiguações, que a parte mais alta do edifício revela assuntos do coração, a parte baixa, as questões de dinheiro e de trabalho, e a parte central, os problemas de família e o estado de saúde.
Magush, apesar de ter apenas catorze anos, é meu amigo. Eu o conheci por acaso, num dia em que fui comprar um saco de carvão. Não demorei para intuir seu gênio adivinho. Depois de algumas conversas no pátio da carvoaria (rodeados de sacos de carvão, nós dois morrendo de frio), ele me encaminhou para o cômodo onde trabalha. O cômodo é uma espécie de corredor, tão frio quanto o pátio; de lá, confortavelmente, através de uma combinação de claraboias com vidros coloridos e de uma janela estreita e alta, como se fosse para hospedar uma girafa, pode-se divisar o edifício da frente, com sua fachada amarelada, marcada por chuvas e pelo sol. Depois de ficar um pouco nesse cômodo, comprovei que o frio desaparecia, substituído por uma agradável sensação de calor. Magush me disse que aquele fenômeno se produz nos momentos de adivinhação e que o cômodo não é outra coisa senão um corpo que absorve aquelas irradiações tão benéficas.
Magush me cobriu de extraordinárias deferências. Deixou que eu olhasse, pessoalmente, na hora propícia, as janelas do edifício, uma por uma. (Às vezes as cenas vistas eram indecifráveis; nesse sentido, no começo tive sorte.) Em uma delas vi, para mal dos meus pecados, aquela que depois se tornou minha namorada com meu rival. Ela usava o vestido vermelho que me deixou deslumbrado e os cabelos soltos na frente, presos com um pequeno coque na nuca. Para ter visto esse detalhe, eu tinha que ter olhos de lince, mas a clareza da imagem se deve à magia que a rodeia, e não à minha vista. (A esta mesma distância consegui ler cartas e recortes de jornal.) Lá vi a cena pesarosa que depois tive que sofrer na própria carne. Lá vi aquele leito coberto de colchas rosadas e as senhoras horríveis que entravam e saíam com pacotes. Lá, nos vidros que refletiam o pôr do sol, vi os passeios no rio Tigre e no rio Luján. Lá estive a ponto de estrangular alguém. Depois, quando fui ao encontro desses acontecimentos, a realidade me pareceu um tanto desbotada e minha namorada talvez menos bonita.
Passadas aquelas experiências, meu interesse por alcançar meu destino diminuiu. Consultei-me com Magush. Era possível evitá-lo? Magush, que é inteligente, pensou se convinha tentar fazer isso. Por alguns dias não saí de seu lado. Me distraí vendo imagens, abrindo mão de buscá-las e de vivê-las. Magush me disse que, por se tratar de nossa amizade, que era de tantos anos, faria uma exceção: nunca tinha permitido a ninguém esse comportamento. Me entretive vendo meu destino naquelas janelas e as artimanhas que ele empregava com os clientes a quem enganava, entregando a eles o meu destino como se fosse o deles.
É mais prudente que alguém viva seu destino imediatamente, à medida que vai aparecendo nas janelas. Senão ele pode vir atrás de você: o destino é como um tigre impiedoso, que espreita seu dono — me dizia Magush, e para me tranquilizar acrescentava: — Um dia, talvez, não haja mais nada para você nessas janelas.
Vou morrer? — eu perguntava com certa inquietação.
Não necessariamente — respondia Magush. — Você pode viver sem destino.
Mas até os cães têm um destino — protestei.
Os cães não podem evitá-lo: são obedientes.
Aconteceu, em parte, o que Magush tinha pressagiado, e vivi por um tempo entediado e tranquilo, devotado a meu trabalho, mas a vida me atraía e eu sentia falta de, ao lado de Magush, contemplá-la no edifício. Ainda não tinham se extinguido as figuras dedicadas a esclarecer meu destino. Em cada uma das janelas, inextricáveis novas composições às vezes nos surpreendiam. Luzes tétricas, fantasmas com caras de cachorro, criminosos, tudo indicava que não era bom que aqueles quadros que eu estava vendo chegassem a ser reais.
Quem iria gostar de viver esses infortúnios? — eu disse a Magush, que resolveu, naquele dia, para me divertir, dar uma de consulente e de vidente ao mesmo tempo. Comecei a ver luzes de Bengala, títeres, lanterninhas japonesas, anões, pessoas vestidas de urso e de gato. Hipocritamente, eu disse: — Tenho inveja de você. Eu bem queria ter catorze anos.
Mudo seu destino — me disse Magush.
Aceitei, embora sua proposta me parecesse ousada. O que eu faria com esses anõezinhos? Falamos por bastante tempo das dificuldades que podiam acarretar as diferenças de nossa idade. Talvez tenha nos faltado a fé de que precisávamos.
Nosso projeto não se cumpriu. Nós dois perdemos a chance de satisfazer nossa curiosidade.
Às vezes reincidimos na tentação de trocar o destino de um pelo de outro; fizemos algumas tentativas, mas sempre volta a acontecer o mesmo impedimento: quando se pensa nas dificuldades que Magush venceu, a ideia acaba sendo absurda. Não faz muito tempo, quase fui embora. Fiz minhas malas. Despedimo-nos. As imagens nas janelas eram tentadoras. Algo me deteve no último instante. A mesma coisa aconteceu com Magush; ele não teve coragem de escapar da carvoaria.
Sempre fico fascinado com o destino de Magush, e ele sente o mesmo diante do meu (por pior que seja), mas no fundo a única coisa que desejamos, eu e ele, é continuar contemplando as janelas dessa construção e presentear aos outros nosso destino, desde que ele não nos pareça extraordinário.

Silvina Ocampo, in A fúria

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