Devemos, agora mais do que nunca, pensar
com frequência sobre nossa casa cósmica. Vivendo em cidades, na
correria do dia a dia, a gente pouco se dá conta do que ocorre ao
nível planetário, ou de como nosso planeta é especial. Mas a Terra
é única, e devemos nossa existência a ela. Primeiro, temos uma
cumplicidade com o Sol, nossa estrela-mãe. A energia que vem de lá,
e que vem chegando aqui por quase 5 bilhões de anos, é fundamental
para a vida.
A Terra fica no que chamamos de zona de
habitabilidade, a faixa de distância de uma estrela onde a água, se
houver, tem chance de ser líquida. A premissa, aqui, é que, sem
água, a vida é impossível. Por outro lado, vemos Vênus e Marte,
nossos planetas vizinhos também na zona de habitabilidade do Sol, e
a história lá é bem diferente. Como no futebol, estar bem
posicionado não é suficiente para marcar um gol. O que, num
jogador, chamamos de talento, num planeta chamamos de propriedades
adequadas. Vênus é um verdadeiro inferno, tão quente que as
rochas, lá, são incandescentes. Além do mais, sua atmosfera
ultradensa é rica em compostos de enxofre, incluindo o que dá o
fedor dos ovos podres. Marte, o oposto, é um deserto gelado, com
cânions de rios e outras estruturas geológicas que mostram que seu
passado foi diferente.
Acreditamos que, na sua infância, o
Planeta Vermelho tenha tido água em abundância e até, quem sabe,
algum tipo de vida rudimentar. Mas sua atmosfera foi desaparecendo
aos poucos, vítima da gravidade mais fraca e dos ventos solares, a
radiação que sai do Sol e se espalha pelo sistema solar, e a vida,
se houve, tornou-se inviável. A Terra tem uma idade aproximada de
4,53 bilhões de anos. Nos primeiros 600 milhões de anos, a situação
aqui era bem dramática, com bombardeios constantes vindos dos céus,
colisões de asteroides e cometas que "sobraram" durante a
formação dos planetas e das suas luas.
Esses visitantes trouxeram toda uma gama
de compostos químicos e muita água, ingredientes da sopa que, em
torno de 3,5 bilhões de anos atrás ou mesmo antes disso, daria
origem às primeiras criaturas vivas. Essas criaturas, muito simples,
eram seres unicelulares do tipo procariotas. Vemos fósseis deles em
algumas rochas bem antigas, como as descobertas na costa oeste da
Austrália, na Baía do Tubarão. Durante um bilhão de anos, pouco
aconteceu.
A Terra foi se resfriando, os oceanos já
bem formados, e regiões com terra firme foram cobrindo pequenas
partes da superfície. Foi então que, em torno de 2,4 bilhões de
anos atrás, esses seres unicelulares passaram por uma ou mais
mutações fundamentais: descobriram a fotossíntese, a capacidade de
transformar a energia solar em energia metabólica, consumindo gás
carbônico e produzindo oxigênio. Aos poucos, essas criaturas foram
mudando a composição da atmosfera da Terra, que foi ficando cada
vez mais rica em oxigênio.
Devemos, em grande parte, nossa
existência a essas bactérias e a essa mutação. Mas oxigênio não
foi o suficiente. Formas de vida só podem evoluir de forma
sustentável quando o planeta onde existem oferece condições para
tal. Apesar das grandes transformações no decorrer da sua
existência, a Terra permaneceu relativamente estável nos últimos 2
bilhões de anos, permitindo que formas de vida primitivas pudessem
passar por incontáveis mutações. Os cataclismos que ocorreram –
enormes erupções vulcânicas, emissão de metano em escala global,
bombardeios de asteroides e cometas – mudaram as condições
planetárias e, com isso, renegociaram as formas de vida que poderiam
existir aqui. Felizmente, nunca a ponto de eliminar a vida por
completo. (Se bem que a grande extinção do Permiano-Triássico
chegou bem perto, eliminando cerca de 95% das formas de vida na
Terra.)
Comparada aos outros mundos que
conhecemos, a Terra se distingue por ser um oásis para a vida. Sua
atmosfera protege a superfície dos raios ultravioleta letais que vêm
do Sol. O campo magnético – resultado da circulação de ferro e
níquel líquidos no centro do planeta – funciona como um escudo
contra a radiação nociva que vem do espaço, principalmente
partículas oriundas do Sol. O movimento lento das placas tectônicas,
os grandes blocos de terra firme onde estão os continentes, recicla
o gás carbônico entre os oceanos e a atmosfera.
Termos apenas uma Lua, bem grande, que
estabiliza o eixo de rotação da Terra em sua inclinação de 23,5
graus, permitindo que as estações do ano continuem ritmicamente por
milhões de anos. Juntas, essas propriedades transformam nosso
planeta no que é, a casa de milhões de formas de vida, das
profundezas dos oceanos até os picos gelados das montanhas geladas.
(Contanto que abaixo de 6 mil metros.)
Portanto, viva a Terra! Não estamos aqui
por acaso. Somos produto disso tudo, das inúmeras mutações que
transformaram bactérias em pessoas, dos acidentes cataclísmicos que
redefiniram as condições planetárias, das inúmeras mudanças que
ocorreram no decorrer de bilhões de anos de história. Saber disso
não nos diminui; pelo contrário, nos remete ao topo dessa cadeia de
vida, nós que somos as criaturas capazes de reconstruir nosso
passado com tanto detalhe e, ao mesmo tempo, nos questionar sobre o
futuro.
Por outro lado, é bom lembrar que estar
no topo não significa desprezar o que está abaixo. Do poder vem a
responsabilidade, no caso, a responsabilidade de proteger a vida e o
planeta, entendendo que somos parte dessa dinâmica planetária, ou
mais, completamente dependentes dela. Aprendemos muito sobre a Terra,
mas continuamos à mercê da Natureza. Tratar a Terra e suas formas
de vida com humildade e respeito é a única opção que temos se
quisermos continuar por aqui por outros tantos milhares de anos.
Marcelo Gleiser, in O caldeirão azul
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