sábado, 30 de maio de 2020

Filantropia



Os famas são capazes de gestos de grande generosidade, como por exemplo quando esse fama encontra uma pobre esperança caída ao pé de um coqueiro, e pondo-a em seu automóvel a leva para sua casa e se ocupa de alimentá-la e oferecer-lhe distração até que a esperança ganhe forças e se atreva a subir outra vez no coqueiro. O fama se acha muito bom depois deste gesto, e na realidade é muito bom, só que não lhe ocorre pensar que daí a poucos dias a esperança vai cair outra vez do coqueiro. Então, enquanto a esperança está novamente caída ao pé do coqueiro, esse fama no seu clube se acha muito bom e pensa na maneira como ajudou a pobre esperança quando a encontrou tombada.
Os cronópios não são generosos por princípio. Passam ao largo das coisas mais comoventes, como seja uma pobre esperança que não sabe amarrar os cordões dos sapatos e geme, sentada na beira da calçada. Esses cronópios nem olham para a esperança, ocupadíssimos que estão em seguir com os olhos uma baba do diabo. Com seres como esses não se pode praticar a caridade de modo coerente; por isso nas sociedades filantrópicas as autoridades são todas famas e a bibliotecária é uma esperança. Dos seus cargos, os famas ajudam muito os cronópios, que nem ligam.
Julio Cortázar, in Histórias de Cronópios e de Famas

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