Na
política brasileira avulta, há muito, a insigne classe dos
insultadores, cuja função política se reduz exclusivamente ao
ofício de insultar. São os magarefes de certa espécie de açougues,
onde se corta, na honra das almas independentes, na fama dos homens
responsáveis, no merecimento dos espíritos úteis, nos serviços
dos cidadãos moderados, o bife sangrento para o estômago da
democracia feroz. Esta divindade alucinada, antípoda da democracia
liberal e culta, disciplinada e humana, progressista e capaz, vive
deglutindo majestosamente a carniça, que lhe chacina a sua matilha
de hienas. O furor difamatório, a vesânia vituperativa, a protérvia
de enxovalhar os adversários mais limpos com os aleives mais torpes
constituem a sua eloquência, a sua probidade, o seu patriotismo. A
decomposição orgânica exala o fogo-fátuo. O ar eletrizado acende
o santelmo na ponta das lanças heroicas e no topo dos mastros
atrevidos, que desafiam o oceano, Dir-se-ia, contudo, a mesma luz que
brilha nos dois meteoros. Mas a claridade do fogo-fátuo nasce da
infecção, e atrai para o lodo; a do santelmo lampeja do fluido
sublime, que rasga as nuvens, anuncia a glória, e aponta para os
céus. Senhores, quando vejo bruxolear um desses pequeninos
Demóstenes da diatribe, ergo a vista para o alto, onde quis que a
tivéssemos Aquele que deu ao homem a fronte levantada, os homini
sublime dedit... e já os não diviso. Há de ser a lamparina dos
brejos, concluo então de mim para mim; e espero que o azul da chama
rasteira se apague à superfície do charco.
Rui
Barbosa, in Antologia
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