quarta-feira, 1 de maio de 2019

Bufão


E Kolakowski chega a ponto de sugerir uma “filosofia do bufão”, o riso tendo o poder mágico de produzir aquilo que os filósofos zen denominavam satori, iluminação.
A filosofia do bufão é a filosofia que, em cada época, denuncia como duvidoso aquilo que parece ser inabalável. Declaramo-nos a favor da filosofia do bufão – aquela atitude de vigilância negativa frente a qualquer absoluto. Declaramo-nos a favor dos valores anti-intelectuais inerentes numa atitude cujos perigos e absurdos conhecemos muito bem. É uma opção por uma visão de mundo que oferece possibilidades para uma reorganização vagarosa e difícil daqueles elementos que, em nossa ação, são os mais difíceis de serem organizados: bondade sem que isto signifique tolerar tudo, coragem sem fanatismo, inteligência sem apatia, e esperança sem cegueira. Todos os outros frutos da filosofia são de importância secundária.”
Nietzsche, se não me engano, foi o grande mestre do riso. Com o que Nietzsche concordava. Muito do seu uso iconoclasta das imagens pode ser entendido como gozação, o seu jeito de dizer que o rei está nu. De toda verdade que não é acompanhada por um riso “pelo menos deveríamos dizer que é falsa”. E, ao final de um denso poema em que fala sobre a sua diferença, ele se resume: “Sou apenas um bufão! Sou apenas um poeta!”. É fácil confundir o bufão com o louco ou com um tolo. Foi o que o velho eremita disse ao se encontrar com Zaratustra quando descia da montanha onde passara dez anos de solidão:
Esse viandante não me é estranho; muitos anos atrás ele passou por esse caminho. Ele se chamava Zaratustra. Mas ele mudou. Naquele tempo tu levavas tuas cinzas para as montanhas; e agora tu levas teu fogo para os vales? Não tens medo de ser punido como incendiário?”
Rubem Alves, in Do universo à jabuticaba

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