Consagrou-se
ao marcar trinta e sete gols num jogo. Sua média de gols por partida
ficou vinte e seis, nunca menos. Não havia beques para escorá-lo,
nem esquemas para anular seu jogo rápido, bonito, eficiente. Jogava
para ele, para o time e para o público. A bola, em seus pés,
ninguém tirava. Ela parecia grudar na chuteira. Atraía a bola, como
um ímã. Bola rebatida, espirrada, dividida, era dele. Distribuía
com perfeição, lançava com precisão. Mas só aceitava jogar com
jogador inteligente. Os outros tinham receio quando entravam em
campo, ao seu lado. Seriam humilhados e xingados, se errassem. Não
respondiam, abaixavam a cabeça, concordavam. E se esforçavam, davam
tudo. Então, eram jogos maravilhosos, corridos. Ele mandava e
desmandava, dava a escalação, isolava jogadores, formava outros.
Sempre falando pouco, apenas olhando, o olhar firme, frio, que dizia
tudo. Não dava entrevistas, tratava mal a imprensa, ria dos
cronistas, dizia que eram analfabetos. Os juízes não chamavam sua
atenção. Ele fazia os juízes abaixarem a cabeça. Mas, de um modo
ou de outro, era disciplinado. Quando fazia, fazia sem que vissem.
Pontapés no tornozelo, paulistinhas, bico de chuteira no joelho,
socos no estômago, no fígado, nos rins. Provocava os adversários,
ria deles, desprezava-os, passava a bola debaixo das pernas, dava
chapéus, lençóis, ficava girando em volta do outro com a bola
presa, e o outro, bobo. Era odiado. Também o público, apesar do
espetáculo que ele dava, o odiava. O fluido dele com o público era
estranho, funcionava ao contrário. Iam vê-lo, porque a cada jogo
ele inventava uma coisa: um dia era um gol de traseiro, no outro,
driblava o time inteiro, deixava a bola na risca do gol, depois,
jogava dez minutos numa perna só, entrava em campo de óculos
escuros. Um dia telefonou para os jornais, disse que estava numa
boate, bebendo e cheio de mulheres. Fotografia, dessa vez ele se
arrebenta. Deixou a boate às sete da manhã. À tarde, marcou vinte
e cinco gols. Correu mais que nos outros dias. Não se machucava.
Entrava em jogadas que partiriam em cinquenta qualquer perna e saía
com a bola. Oferecia a canela para os chutes. As travas das chuteiras
escorregavam pela sua pele, não entravam. Tinha os reflexos
perfeitos, raciocinava seis vezes num milésimo de segundo. Até que
um dia de muito calor, após uma hora e meia de ginástica, todo o
time pregou. Ele riu e saiu correndo em volta do campo. Deu cinquenta
voltas. Depois, foi treinar chutes a gol. Quando parou, o professor
de educação física se aproximou. Olhando fixamente em seus olhos,
o professor teve medo. E compreendeu.
Ignácio
de Loyola Brandão, in Cadeiras proibidas
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