sábado, 28 de abril de 2018

O argumento da reparação das injustiças

Há também uma outra forma muito curiosa de argumento moral, que é a seguinte: diz-se que a existência de Deus é necessária para que haja justiça no mundo. Na parte do universo que conhecemos há muita injustiça, e com frequência os bons sofrem e os maus prosperam, de modo que é difícil saber qual alternativa é mais irritante; mas, se vamos ter justiça no universo como um todo, é necessário supor que existirá uma vida futura para compensar o equilíbrio aqui na terra. Assim, dizem que é necessário existir um Deus, e que devem existir céu e inferno para que a longo prazo haja justiça. Esse é um argumento muito curioso. Se o assunto for examinado do ponto de vista científico, pode-se dizer: “Afinal de contas, eu só conheço este mundo. Não conheço o restante do universo, mas, até onde for possível argumentar no que diz respeito a probabilidades, seria possível dizer que este mundo provavelmente é uma boa amostra e que, se há injustiça aqui, há chance de que também exista injustiça em qualquer outro lugar”. Suponhamos que uma pessoa recebeu um caixote de laranjas e, ao abri-lo, percebeu que todas as laranjas da parte de cima estão podres; nesse caso, ninguém argumentaria: “As de baixo devem estar boas, para compensar o equilíbrio”. A pessoa diria: “Provavelmente todas estão estragadas”; e é esse, realmente, o argumento que uma pessoa com espírito científico faria em relação ao universo. Ela diria: “Aqui neste mundo encontra-se uma grande quantidade de injustiça e, nessa medida, há razão para supor que a justiça não reina no mundo; portanto, há espaço para o argumento moral contrário à divindade, e não a favor dela”. Claro que eu sei que o tipo de argumento intelectual de que falei não é verdadeiramente aquilo que impulsiona as pessoas. O que realmente as impulsiona a acreditar em Deus não é absolutamente nenhum argumento intelectual. A maior parte delas acredita em Deus porque foi ensinada desde a primeira infância a fazê-lo, e essa é a razão principal.
Ademais, penso que a razão mais forte que vem a seguir é o desejo de segurança, uma espécie de sensação de que existe um irmão mais velho a zelar por nós. Isso desempenha um papel profundo na influência do desejo de crer em Deus.
Bertrand Russell, in Por que não sou cristão

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