segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Ser humano

Cada um dos indivíduos da espécie Homo sapiens, única existente hoje em dia da família dos hominídeos, do gênero Homo, espécie esta que ocupa uma posição especial na natureza”, diz o dicionário.
Ser humano é complicado.
Obra de Deus, sobra do Big Bang, descendente do macaco, filho do acaso, talvez.
Descobriu o fogo, inventou a roda, foi primata, caçador, rei, servo, cavaleiro, filósofo, artista, guerreiro, explorador, pirata, poeta, aristocrata, carrasco, vítima, mocinho, fanático, machista, mascate, banqueiro, revolucionário, democrata, bandido, economista, prisioneiro, astronauta, funcionário público, feminista, hippie, rico, pobre, banido, favelado, empresário, desiludido, evangélico, capa de revista, e lá vai ele mudando com o tempo.
Suas principais características:
1. A postura vertical.
2. O polegar das mãos oposto aos outros dedos.
3. O volume do cérebro.
4. O uso da linguagem articulada.
5. O desenvolvimento da inteligência, especialmente das faculdades de generalização e de abstração.
6. Outras.
7. O hábito de sair pra beber, ou de jantar fora, ora em grupo, ora em casais, ora na mais absoluta solidão.
Ser humano é esquisito.
Tem de todo tipo.
O boteco, por exemplo, está cheio deles. Um vive uma desgraça, um comemora o sucesso, um abraça uma morena, um toma a oitava cerveja, um estuda as meninas que passam, um até arrisca um gracejo, um descobre que é hora de ir pra casa. A mulher está esperando, hoje é sexta, e toda sexta, bem, você sabe.
Ser humano é tão bonito.
Num restaurante francês, um casal levemente embriagado de champanhe repete a mesma cena clássica: as bocas se colam, os olhos se fecham, o escuro roda.
Peço outra?
Num cantinho, no forró, dois se entregam.
No Baixo Gávea, dois disputam a mesma moça. (De repente eles são três, daqui a pouco serão quatro.)
Ser humano é fogo, sabia?
O pessoal do escritório toma saquê no japonês enquanto discute a alta do dólar.
No baile funk, a namorada de um comenta com a de outro que eles não são de nada.
No balcão do bar de sempre, um qualquer, abandonado pela mulher, chora.
No bar da frente, lotado, uma mulher separada tenta se convencer de que é mais feliz agora.
Na Feira de São Cristóvão, um toma outra cachaça somente pra dar coragem. Ser humano é triste, um dia ou outro.
Mas lá no macrobiótico, toda contente, uma garota mostra pra outra sua nova tatuagem.
Na churrascaria, felizmente, uma família inteira comemora mais um aniversário.
A galera do cursinho, no mesmo mexicano, todo dia, bebe marguerita frozen, pula, gira, fica, troca, o mundo muda.
Ser humano é engraçado.
Na boate GLS, um casal meio deslocado tenta se divertir. Está na moda.
Porque leu que faz bem pra saúde, um toma diariamente um copo de vinho tinto.
Porque vinha tonto há meses, um deu um tempo na bebida e anda mais desanimado.
Ser humano é assim mesmo.
É bem bacana?
É um problema?
Hoje é uma coisa. Amanhã é outra. De repente não é mais aquilo.
Às vezes, ser humano é humanamente impossível.
Difícil. Incrível. Estranho. Doido. Doído. Ótimo. Péssimo. Mais ou menos. Animado.
Ser humano é tudo isso.
Fora o resto todo, é claro.
Adriana Falcão, in O doido da garrafa

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