Bateram
na porta; mas ele não respondeu. Ouviu que continuaram batendo em
todas as portas, acordando as pessoas. A correria de Fulgor —
reconheceu os seus passos — até a porta grande se deteve um
momento, como se tivesse intenção de tornar a bater na sua porta.
Depois, a correria continuou.
Rumor
de vozes. Arrastar de passos vagarosos como se carregassem algo
pesado.
Ruídos
vagos.
Veio
à sua memória a morte de seu pai, também num amanhecer como
aquele; embora naquela época a porta estivesse aberta e transluzia a
cor acinzentada de um céu feito de cinzas, triste, do jeito que era.
E uma mulher contendo o pranto, recostada contra a porta. Uma mãe de
que ele já tinha se esquecido e esquecido muitas vezes, dizendo a
ele: “Mataram o seu pai!” Com aquela voz quebrada, desfeita,
unida apenas pelo fiapo do soluço.
Não
quis nunca reviver essa lembrança porque trazia outras, como se
rompesse um silo repleto e depois quisesse conter os grãos. A morte
de seu pai que arrastou outras mortes e em cada uma delas estava
sempre a imagem da cara despedaçada: um olho roto, olhando vingativo
para o outro. E outro e outro mais, até que havia apagado essa
imagem da memória quando já não houve mais ninguém que a
recordasse.
—
Descansa ele aqui! Não, assim não. É
preciso entrar com a cabeça para trás. Você! Está esperando o
quê?
Tudo
em voz baixa.
— E
ele?
— Ele
está dormindo. Não o acordem. Não façam barulho.
Lá
estava ele, enorme, olhando a manobra de enfiar um vulto embrulhado
em sacos velhos, amarrado com cordas de cânhamo como se estivesse
sendo amortalhado.
— Quem
é? — perguntou.
Fulgor
Sedano se aproximou e disse a ele:
— É
Miguel, dom Pedro.
— O
que foi que fizeram com ele? — gritou.
Esperava
ouvir: “Mataram.” E já estava reunindo sua fúria, armando duras
montanhas de rancor; mas ouviu as palavras suaves de Fulgor Sedano,
que lhe diziam:
—
Ninguém fez nada com ele. Ele encontrou
a morte sozinho.
Havia
lamparinas de querosene azulando a noite.
— ...
O cavalo matou-o — um deles se atreveu a dizer.
Foi
estendido na cama, depois de terem jogado o colchão no chão,
deixando as tábuas nuas onde acomodaram o corpo já desprendido das
cordas com que vinha sendo puxado e arrastado. Colocaram suas mãos
sobre o peito e taparam sua cara com um pano negro. “Parece maior
do que era”, disse em segredo Fulgor Sedano.
Pedro
Páramo tinha ficado sem expressão alguma, como se estivesse alheio
ao redor. Seus pensamentos seguiam-se uns a outros sem se alcançar
nem se juntar. No fim disse:
— Estou
começando a pagar. Mais vale começar cedo, para terminar logo.
Não
sentiu dor.
Quando
falou às pessoas reunidas no pátio para agradecer a companhia,
abrindo passo para a voz através do pranto das mulheres, não cortou
nem o suspirar de suas palavras. Depois se ouviu naquela noite apenas
o campear dos cascos do potrinho alazão de Miguel Páramo na terra.
—
Amanhã você manda matar esse animal
para que não continue sofrendo — ordenou a Fulgor Sedano.
— Está
bem, dom Pedro. Entendo. O coitado deve sentir-se desolado.
— É
o que eu também acho, Fulgor. E aproveita para dizer a essas
mulheres que não armem tanto escândalo, é alvoroço demais para o
meu morto. Se fosse delas, não chorariam com tanta vontade.
Juan
Rulfo, in Pedro Páramo
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