Andamos
cerca de duas léguas a cavalo: minha mãe posta de meia esguelha,
envolta na saia comprida e larga, uma perna presa no gancho do
silhão; meu pai todo pachola, boa lança nas cavalhadas, viajando no
preceito, como quem executa um dever; eu seguro por ele, na maçaneta
da sela, porque era pequeno demais e não me aguentava na garupa do
animal.
Íamos
visitar um fazendeiro vizinho, homem considerável, de hábitos que
mereciam a reprovação da gente cautelosa. Nesse dia não o percebi
direito.
Avistei-o
alguns anos depois, na vila próxima, de calça branca, paletó de
casimira, chapéu do Chile, botinas lustrosas, guarda-chuva caro, uma
libra esterlina pendurada no correntão de ouro, escandalosamente
próspero. E, ao cabo de longo intervalo, encontrei-o de novo, muito
por baixo, carregando na aguardente, jogando baralho com polícias em
balcões de bodegas e em calçadas.
Meus
parentes, econômicos em excesso, atribuíam esse desmantelo ao
guarda-chuva e à libra esterlina. E também às superfluidades que
nos exibiu naquela manhã de verão: móveis esquisitos; redes alvas,
de varanda, grossas e macias, trabalhadas como rendas; panos limpos,
cheirosos; a garrafinha vermelha, na salva, rodeada de cálices,
objetos que me provocaram admiração.
Graciliano
Ramos, in Infância
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