terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Reprovação


Andamos cerca de duas léguas a cavalo: minha mãe posta de meia esguelha, envolta na saia comprida e larga, uma perna presa no gancho do silhão; meu pai todo pachola, boa lança nas cavalhadas, viajando no preceito, como quem executa um dever; eu seguro por ele, na maçaneta da sela, porque era pequeno demais e não me aguentava na garupa do animal.
Íamos visitar um fazendeiro vizinho, homem considerável, de hábitos que mereciam a reprovação da gente cautelosa. Nesse dia não o percebi direito.
Avistei-o alguns anos depois, na vila próxima, de calça branca, paletó de casimira, chapéu do Chile, botinas lustrosas, guarda-chuva caro, uma libra esterlina pendurada no correntão de ouro, escandalosamente próspero. E, ao cabo de longo intervalo, encontrei-o de novo, muito por baixo, carregando na aguardente, jogando baralho com polícias em balcões de bodegas e em calçadas.
Meus parentes, econômicos em excesso, atribuíam esse desmantelo ao guarda-chuva e à libra esterlina. E também às superfluidades que nos exibiu naquela manhã de verão: móveis esquisitos; redes alvas, de varanda, grossas e macias, trabalhadas como rendas; panos limpos, cheirosos; a garrafinha vermelha, na salva, rodeada de cálices, objetos que me provocaram admiração.
Graciliano Ramos, in Infância

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