Ilustração: Patricia Gutiérrez
Senti
o retrato de minha mãe guardado no bolso da camisa, esquentando meu
coração, como se ela também suasse. Era um retrato velho,
carcomido nas beiradas; mas foi o único que conheci. Eu havia
encontrado o retrato no armário da cozinha, dentro de uma caçarola
cheia de ervas: folhas de capim-limão, flores de Castela, ramos de
arruda. Desde então guardei o retrato. Minha mãe sempre foi inimiga
de deixar-se fotografar. Dizia que os retratos eram coisa de
bruxaria. E pareciam ser; porque o dela estava cheio de furos como de
agulha, e na direção do coração tinha um bem grande onde podia
muito bem caber o dedo médio.
É
esse mesmo retrato que trago aqui, achando que poderia ajudar meu pai
a me reconhecer.
— Veja
bem, senhor — me diz o tropeiro, detendo-se. — Está vendo aquele
morro que parece bexiga de porco? Pois justo atrás dele fica a Media
Luna. Agora, vire para lá. Vê o topo daquele morro? Pois veja. E
agora vire para este outro rumo. Vê aquele outro topo que quase não
dá para ver de tão longe? Bem, pois isso é a Media Luna de cabo a
rabo. Como se diz por aí, toda terra que dá para percorrer com o
olhar. E esse terrenão todo é dele. A verdade é que nossas mães
nos malpariram numa esteira, apesar de sermos filhos de Pedro Páramo.
E o mais engraçado é que ele nos levou para batizar. Com o senhor
deve ter acontecido a mesma coisa, não é?
— Eu
não me lembro.
— Pois
então vai para o caralho!
— O
que foi que o senhor disse?
— Que
já estamos chegando, senhor.
— Pois
é, estou vendo. O que foi que aconteceu?
— Um
corre-caminhos, senhor. É assim que chamam esses pássaros.
— Não,
eu perguntava o que foi que aconteceu com o povoado, que parece tão
solitário, como se estivesse abandonado. Parece que ninguém mora
nele.
— Não
é que pareça. É que é. Aqui não mora ninguém.
— E
Pedro Páramo?
— Pedro
Páramo morreu faz muitos anos.
Juan
Rulfo, in Pedro Páramo
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