quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

O retrato de minha mãe

Ilustração: Patricia Gutiérrez

Senti o retrato de minha mãe guardado no bolso da camisa, esquentando meu coração, como se ela também suasse. Era um retrato velho, carcomido nas beiradas; mas foi o único que conheci. Eu havia encontrado o retrato no armário da cozinha, dentro de uma caçarola cheia de ervas: folhas de capim-limão, flores de Castela, ramos de arruda. Desde então guardei o retrato. Minha mãe sempre foi inimiga de deixar-se fotografar. Dizia que os retratos eram coisa de bruxaria. E pareciam ser; porque o dela estava cheio de furos como de agulha, e na direção do coração tinha um bem grande onde podia muito bem caber o dedo médio.
É esse mesmo retrato que trago aqui, achando que poderia ajudar meu pai a me reconhecer.
Veja bem, senhor — me diz o tropeiro, detendo-se. — Está vendo aquele morro que parece bexiga de porco? Pois justo atrás dele fica a Media Luna. Agora, vire para lá. Vê o topo daquele morro? Pois veja. E agora vire para este outro rumo. Vê aquele outro topo que quase não dá para ver de tão longe? Bem, pois isso é a Media Luna de cabo a rabo. Como se diz por aí, toda terra que dá para percorrer com o olhar. E esse terrenão todo é dele. A verdade é que nossas mães nos malpariram numa esteira, apesar de sermos filhos de Pedro Páramo. E o mais engraçado é que ele nos levou para batizar. Com o senhor deve ter acontecido a mesma coisa, não é?
Eu não me lembro.
Pois então vai para o caralho!
O que foi que o senhor disse?
Que já estamos chegando, senhor.
Pois é, estou vendo. O que foi que aconteceu?
Um corre-caminhos, senhor. É assim que chamam esses pássaros.
Não, eu perguntava o que foi que aconteceu com o povoado, que parece tão solitário, como se estivesse abandonado. Parece que ninguém mora nele.
Não é que pareça. É que é. Aqui não mora ninguém.
E Pedro Páramo?
Pedro Páramo morreu faz muitos anos.
Juan Rulfo, in Pedro Páramo

Nenhum comentário:

Postar um comentário