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De
Gaulle nunca teria dito que o Brasil não é um país sério, mesmo
que pensasse isso. Também não deve ser verdadeira outra conclusão
atribuída ao general, desta vez sobre a França: que era impossível
governar um país com 360 tipos diferentes de queijo. Há várias
razões para duvidar que De Gaulle tenha dito a frase, além da sua
notória falta de humor. Os franceses se orgulham dos seus queijos, e
a diversidade das regiões da França — representada na diversidade
dos seus queijos — era justamente a razão do poder do general, já
que só um líder forte, simbolizando uma idéia de nação e destino
comum superior aos pequenos orgulhos locais, conseguiria governar. A
França podia ter quantos queijos quisesse, desde que tivesse só um
De Gaulle.
Quando
se retirou, desgostoso, do Governo, De Gaulle tinha o direito de
pensar que o país desandaria como um queijo cremoso. Os franceses
têm uma boa expressão para descrever os queijos mal contidos pela
casca quando eles se esparramam. Dizem il s’abandonne, ele
se larga, se deixa espalhar, se abandona. Os queijos franceses se
dividem entre os que “se abandonam” e os que “não se
abandonam”. Já entre os franceses é raro você encontrar alguém
que se abandone como um queijo. Pelo menos na nossa experiência, são
pessoas cordiais e afáveis, apesar de suas freqüentes explosões de
irritação, mas que vivem dentro das suas cascas sem qualquer sinal
de cremosidade expansiva. Dão, mesmo, um valor exagerado à casca,
aos limites de todos e a regras claras de comportamento e tratamento
entre cada um. Você pode dizer que poucos povos deram tantos
exemplos de “abandono” político como os franceses, desde a sua
revolução libertária, passando pelas revoltas do século dezenove
e chegando até o recente (estou na idade em que 30 anos atrás é
anteontem) maio de 68. Mas sempre foram soluços de civilidade com
uma racionalidade embutida, ou razões rapidamente formalizadas,
nunca a bagunça total. Nunca uma vocação para o esparramamento que
justificasse casca grossa e estados fortes preventivos.
Em
alguns restaurantes franceses, eles não oferecem queijo antes da
sobremesa a estrangeiros, ou se surpreendem quando o estrangeiro
aceita. Seria um ritual francês incompreensível para os outros, já
que na escolha e no equilíbrio entre queijos salgados ou doces, de
leite de cabra ou de vaca, e os firmes e os que se abandonam, estaria
um dos códigos de acesso ao caráter nacional. Uma das poucas
brechas permitidas na casca.
Luís
Fernando Veríssimo, in A mesa voadora
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