Ao longo do tempo, os comportamentos e valores sofrem rupturas, permanências e novas formas de enxergar o mundo, que tanto podem promover quanto emperrar avanços sociais significativos. A aceitação de novas configurações familiares e a inclusão social de minorias, por exemplo, são exemplos claros de oxigenações bem vindas à dinâmica da vida em sociedade. Por outro lado, a supervalorização das aparências materiais e a banalização do sexo trazem consequências nocivas ao fluxo das relações e interações entre as pessoas.
Os dias estão acelerados, tornando-nos sujeitos cada vez mais apressados e assoberbados de atribulações e compromissos trabalhistas, uma vez que buscamos freneticamente a aquisição de uma qualidade de vida tão somente alicerçada sobre o consumo de bens que possam elevar nosso status social. Essa velocidade errática a que nos entregamos nos desumaniza aos poucos, pois acabamos não dispondo de tempo para prestarmos atenção às necessidades de nossos sentidos, às nossas necessidades humanas e que não estão à venda nem expostas nas vitrines do shopping.
Não
prestamos mais atenção em nada de nós mesmos que não possa ser
visto e admirado visualmente, como se fôssemos apenas uma carcaça
oca, esquecendo-nos de que o vazio não sustenta, não acrescenta,
não é. Desacostumados, portanto, a cuidar de nossos sentimentos, de
nossa essência, somos incapazes de enxergar também no outro nada
além do que podemos ver e tocar. Se não atentamos para os nossos
sentidos, não atentaremos para os de ninguém mais.
Temos
pressa para chegar ao serviço, cumprir as metas, terminar o almoço,
ganhar dinheiro, pois as tarefas se acumulam intermitentemente.
Enredados nesse redemoinho de compromissos inadiáveis, agregamos a
interação com o próximo à lista de metas a serem cumpridas,
agendando, em meio aos compromissos inadiáveis, quando possível,
encontros, conversas com amigos, sexo com o parceiro. Tudo acaba
virando obrigação, mas obrigação não tem nada a ver com prazer.
Nessa toada, agregamos interações humanas ao rol de tarefas
diárias, descaracterizando os encontros com o outro, retirando-lhes
qualquer traço de prazer.
Não
tendo mais tempo para o imprevisto, para paixões súbitas, olhares
demorados, abraços mornos, conversa fiada, não mais nos dispomos às
interações que não sejam superficiais, ao descobrir e ser
descoberto, ao despertar das paixões, a tudo que necessita de
demora, contemplação e entrega incondicional. Se estamos
condicionados aos objetivos a serem cumpridos, não nos lançamos ao
incerto, ao que não tem preço, ao que não depende de aparências
visíveis. Como não damos atenção ao que sentimos, estamos
fechados aos sentimentos alheios. E assim vamos nos afastando das
trocas, dos relacionamentos sinceros e da cota de humanização que
nos resta.
Essa
pressa que nos conduz e desumaniza perpetua-se e encontra terreno
perfeito na velocidade célere proporcionada pela internet. A
interação virtual é rápida, fria e manipulável, um lugar onde
podemos ser quem quisermos, falar sem censura e repreensão de
olhares alheios. Nas redes sociais, podemos fantasiar à vontade, ter
o corpo perfeito que todos desejam, esconder o rosto e nos exibir
pela webcam. Com isso, os relacionamentos vão dispensando o toque de
peles, a troca de calor, o conquistar e cativar, o entrelaçar das
mãos e demais preliminares que deveriam anteceder a entrega total -
caso não se procure o sexo casual, o qual às vezes pode ser a
resposta ao que se quer naquele momento.
As
amizades e o amor não são instantâneos, não ficam prontos em
cinco minutos, não podem ser comprados, tampouco parcelados em dez
vezes no cartão de crédito, pois demandam tempo e disposição para
conhecer e entregar-se. Assiste-se a jovens queimando etapas da vida
inconsequentemente, perdendo chances de conhecer o outro em suas
verdades, de nutrir pacientemente os sentimentos, de desenvolver-se
enquanto pessoa, antecipando o sexo ao bom dia, substituindo a caixa
de bombons pelos nudes, banalizando, enfim, o “eu te amo”,
distribuindo-o a qualquer um que acabou de conhecer.
Precisamos
do amor para nos sentirmos vivos, precisamos da paixão para
seguirmos em frente sem sucumbir, precisamos de carinho para suportar
o peso do cotidiano em nossas vidas. Lançar-se à jornada diária
sem prestar atenção em nossos sentidos equivale a negar nossa
essência humana, pois, por mais que haja pessoas à nossa volta,
dessa forma estaremos solitários e incompletos. Por mais confortável
que sejam nossas casas, por mais dinheiro que tivermos no banco,
estaremos ainda necessitados de alguma coisa, caso negligenciemos o
pulsar de nossos sentidos.
É
preciso, portanto, desacelerar nossos passos e prestar atenção em
nossos desejos, permitindo-nos a demora no fortalecimento de nossos
relacionamentos. Tenhamos de volta o direito a cultivar os
sentimentos, a conhecer o outro, a entender o que está se passando
aqui dentro de nós, para que não sufoquemos nossas necessidades sob
os efeitos superficiais dos ansiolíticos e antidepressivos. O amor a
dois, afinal, é algo que se conquista com paciência, entrega,
dedicação e que sobrevive não somente do sexo em si, mas também
de tudo o que o cerca - o bom dia sorridente, os bilhetes
rascunhados, os olhares furtivos, o toque das mãos, o calor que
ruboriza, o ouvir atencioso, as flores inesperadas, o
compartilhamento das dores e das alegrias. Cultivar o antes nos dará
um depois mais prazeroso e sincero, porque então não teremos
dúvidas do que e de quem queremos e teremos certeza de quem somos.
E, onde houver verdade, ali repousará o amor.
Marcel
Camargo, in www.obviousmag.org
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