Bárbara levava para a praia: um
guarda-sol, uma cadeira portátil (na verdade meia cadeira, apenas um
encosto para poder sentar confortavelmente na areia), óculos
escuros, chapéu e uma bolsa de pano com protetor solar, batom
umidificante, telefone celular, lenços de papel e um livro policial.
Sempre um policial. Gostava de ficar lendo embaixo do guarda-sol.
Fora devolver às crianças uma
eventual bola que invadisse seu território, Bárbara não tinha
nenhum contato com os outros frequentadores da praia. Preferia assim.
Não queria falar com ninguém. Queria ficar sozinha. Com seus livros
policiais.
Naquele dia, estava mais ou menos na
metade do livro quando notou que um homem sentara na areia perto
dela. Perto demais. Bárbara não gostou da sua proximidade. Viu que
era um homem mais moço do que ela, bonito, e que — ao contrário
dela — viera para a praia apenas com uma sunga e nada mais. Nem
chapéu, nem óculos, nem protetor, nem celular. Nada. E ele a
examinava com divertida curiosidade. Como um nativo nu examinando as
vestes pesadas e os paramentos de um explorador recém-chegado ao
Novo Mundo.
— Geoffrey — disse o homem.
— O quê? — perguntou Bárbara.
— O assassino. No livro que você
está lendo. O assassino é o Geoffrey.
— Mas, mas...
Bárbara não se continha de
indignação.
— Você estragou a minha leitura!
Você é um, um...
Bárbara não encontrava a palavra
certa. Onde já se vira aquilo? Alguém entrar na vida de outra
pessoa assim e, deliberadamente, estragar a sua leitura.
O homem estava sorrindo. Disse:
— Desculpe. Eu só quis poupar você
de ter que ler o resto do livro. Assim você já sabe como termina e
pode parar de ler para conversar comigo. Podemos começar um
relacionamento. E quem sabe dizer como termina um relacionamento? Sua
vida pode ser muito mais excitante do que um livro policial. Jogue
fora o livro e fale comigo. Pare de ler e descubra a vida.
Mas Bárbara estava inconsolável.
— Só porque você já leu o livro
não tem o direito de...
— Eu nunca li esse livro.
— Mas então, como...
O homem estendeu a mão para Bárbara
apertar e disse:
— Eu sou o Geoffrey.
***
Uma bola rolou para baixo do
guarda-sol e bateu na perna de Bárbara, que acordou. Por uns
instantes ficou atordoada. Onde estava? Na praia, claro. O livro
caíra das suas mãos e pousava, aberto, sobre seu peito. Ela chutou
a bola de volta para as crianças e pegou o livro. Que sonho
estranho, pensou. E ficou indecisa. Deveria olhar o fim do livro,
para saber se Geoffrey era mesmo o assassino, ou continuar a leitura
sem espiar o final, agora com o suspense redobrado? A história do
livro se passava em Londres. Geoffrey era um personagem fascinante,
um cavalheiro. Bárbara jamais imaginaria que o assassino fosse ele.
Mas também nunca o imaginaria de sunga numa praia. Decidiu continuar
a leitura sem olhar a última página. A leitura teria outro sabor,
agora que conhecia o Geoffrey, por assim dizer, pessoalmente. A vida
podia esperar.
Luís Fernando Veríssimo, em Diálogos Impossíveis
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