A primeira Independência da América
Foi coroado ontem. Os macacos apareceram, curiosos, entre as árvores. Da boca de Fernando de Guzmán escorria suco de fruta-de-conde e havia sóis em seus olhos. Um após outro, os soldados se ajoelharam frente ao trono de madeira e palha, beijaram a mão do eleito e juraram obediência. Depois assinaram a ata, com nome ou cruz, todos os que não eram mulheres, nem criados, nem índios, ou negros. O escrivão deu fé e testemunho e proclamada ficou a independência.
Os buscadores do El Dorado, perdidos no meio da selva, têm agora o seu próprio monarca. Nada os une à Espanha, a não ser o rancor. Negaram vassalagem ao rei do outro lado do mar:
– Não o conheço! – gritou ontem Lope de Aguirre, puro osso e cólera, erguendo sua espada coberta de mofo. – Não o conheço, nem quero conhecê-lo, ou tê-lo, ou obedecê-lo!
Na choça maior da aldeia se instala a corte. À luz de um candelabro, o príncipe Fernando come incessantes broas de mandioca regadas de mel. É servido por seus pajens; entre broa e broa, dá ordens a seus secretários, dita decretos aos escrivãos e concede audiências e mercês. O tesoureiro do reino, o capelão, o mordomo-mor e o mestre-sala vestem gibões em farrapos e têm as mãos inchadas e os lábios partidos. O chefe de campo é Lope de Aguirre, manco, caolho, quase anão, pele queimada, que pelas noites conspira e durante o dia dirige a construção dos bergantins.
Soam os golpes de machados e de martelos. As correntes do Amazonas despedaçaram as naus, mas já duas novas quilhas se erguem na areia. A selva oferece boa madeira. Com o couro dos cavalos, fizeram foles; das ferraduras saíram pregos, pernos e pinças.
Atormentados pelos mosquitos e pernilongos, envolvidos nos vapores da umidade e da febre, os homens esperam que os barcos cresçam. Comem ervas e carne de urubu, sem sal. Já não sobram cães ou cavalos e os anzóis não trazem mais que barro e algas podres; mas ninguém no acampamento duvida que chegou a hora da vingança. Saíram há meses do Peru, em busca do lago onde, conta a lenda, há ídolos de ouro maciço grandes como rapazes, e ao Peru querem regressar, agora, em pé de guerra. Não vão perder nem um dia mais perseguindo a terra da promissão, porque entenderam que já a conhecem e estão fartos de maldizer seu azar. Navegarão o Amazonas, sairão ao oceano, ocuparão a ilha Margarita, invadirão a Venezuela e o Panamá.
Os que dormem, sonham com a prata de Potosí. Aguirre, que jamais fecha o olho que lhe resta, vê essa prata acordado.
Eduardo Galeano, em Os Nascimentos
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