sábado, 18 de janeiro de 2025

A mulher selvagem e a pedante


Minha cara, você na verdade me cansa sem medida e sem piedade; dir-se-ia, ao ouvi-la suspirar, que você sofre mais do que as respigadoras sexagenárias e do que as velhas mendigas que recolhem restos de pão na porta das tabernas.
Se ao menos os seus suspiros exprimissem remorso, teriam algo de honroso; mas só traduzem a saciedade do bem-estar e a sobrecarga do repouso. E, depois, você não para de se alastrar em palavras inúteis: ‘Amem-me bem! tenho tanta necessidade disso! Consolem-me aqui, acariciem-me ali!’. Veja, vou tentar curá-la; encontraremos talvez o método para tal, por uma ninharia, no meio de uma festa, e sem ir muito longe.
Consideremos bem, eu lhe peço, esta sólida jaula de ferro por trás da qual se agita, urrando como um condenado, sacudindo as barras como um orangotango exasperado pelo exílio, imitando, à perfeição, ora os saltos circulares do tigre, ora os bamboleios estúpidos do urso-branco, esse monstro peludo cuja forma imita bastante vagamente a sua.
Esse monstro é um desses animais que em geral são chamados de ‘meu anjo!’, ou seja, uma mulher. O outro monstro, o que grita a toda, com um bastão na mão, é um marido. Acorrentou sua mulher legítima, como se fosse um animal, e a exibe pelos arrabaldes, nos dias de feira, com permissão dos magistrados, nem é preciso dizer.
Preste bem atenção! Veja com que voracidade (não simulada talvez!) ela lacera coelhos vivos e aves a piar que seu condutor lhe joga. ‘Vamos’, diz ele, ‘não é preciso comer num só dia tudo o que se tem’, e com esse sábio comentário ele lhe arranca cruelmente a presa, cujas tripas esvaziadas ficam por um instante agarradas nos dentes do animal feroz, da mulher, quero dizer.
Vamos! Uma boa bordoada para acalmá-la! pois os terríveis olhos de avidez dardejam em direção ao alimento retirado. Meu Deus! o bastão não é um bastão de comédia, você ouviu ressoar a carne dela, apesar do pelame postiço? Também os olhos agora lhe saem da cabeça, ela urra mais naturalmente. Em sua fúria, ela faísca por inteiro, como o ferro quando é batido.
Esses são os costumes conjugais desses dois descendentes de Eva e Adão, essas obras de vossas mãos, ó meu Deus! Essa mulher é incontestavelmente infeliz, embora talvez não lhe sejam desconhecidos, afinal, os titilantes prazeres da glória. Há desditas mais irremediáveis, e sem compensação. Todavia, no mundo em que foi jogada, nunca pôde acreditar que a mulher merecesse outro destino.
Agora, é conosco, querida pedante! Quando vemos os infernos de que o mundo está povoado, que quer você que eu pense de seu bonito inferno, você que só descansa sobre tecidos tão suaves quanto sua pele, que só come carne cozida e para quem um hábil empregado cuida de cortar os pedaços?
E que podem significar para mim todos esses pequenos suspiros que incham seu peito perfumado, minha robusta coquete? E todas essas afetações aprendidas nos livros, e essa incansável melancolia, destinada a inspirar ao espectador um sentimento muito diferente da piedade? Na verdade, às vezes tenho vontade de lhe ensinar o que é a verdadeira infelicidade.
Ao vê-la assim, minha bela delicada, os pés na lama e os olhos voltados vaporosamente para o céu, como que para lhe pedir um rei, dir-se-ia verossimilmente que se trataria de uma jovem rã a invocar o ideal. Se você despreza o tíbio (o que sou agora, como você sabe muito bem), preste atenção no grou que a mastigará, a devorará e a matará a seu bel-prazer!
Por mais poeta que eu seja, não sou tão tolo como você gostaria de me considerar, e se você me cansa, muito frequentemente, com suas lamúrias preciosas, eu a tratarei como mulher selvagem, ou a jogarei pela janela, como uma garrafa vazia.”

Charles Baudelaire, em O spleen de Paris – Pequenos poemas em prosa

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