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Charles
recebia poucas cartas. Às vezes levava semanas sem ir à agência
dos correios. Em fevereiro de 1894, quando chegou um envelope espesso
de uma firma de advogados em Washington, o agente dos correios achou
que devia ser importante. Foi a pé até a fazenda dos Trask,
encontrou Charles rachando lenha, e entregou-lhe a carta. E como se
dera todo aquele trabalho, esperou para saber o que continha a carta.
Charles
o deixou esperar. Muito lentamente, leu todas as cinco páginas,
voltou a lê-las, movendo os lábios de acordo com as palavras. Então
dobrou a carta e se dirigiu para a casa.
O
agente dos correios foi atrás dele e falou:
— Algum
problema, sr. Trask?
— Meu
pai morreu — disse Charles, e entrou na casa e fechou a porta.
— Foi
um golpe para ele — relatou o agente dos correios na cidade. —
Foi um golpe tremendo. É um homem quieto. Não fala muito.
Em
casa, Charles acendeu o lampião embora ainda não estivesse escuro.
Colocou a carta sobre a mesa e lavou as mãos antes de se sentar para
ler de novo.
Ninguém
foi capaz de lhe mandar um telegrama. Os advogados encontraram o seu
endereço entre os papéis do pai. Lamentavam — ofereciam suas
condolências. E estavam também muito excitados. Quando foram
verificar o testamento de Trask, acharam que poderia haver algumas
centenas de dólares para os filhos. Era o que ele parecia valer.
Quando inspecionaram seus talões de cheque descobriram que tinha
acima de noventa e três mil dólares no banco e dez mil dólares em
títulos valorizados. Sentiram-se muito diferentes em relação ao
sr. Trask então. Pessoas com todo aquele dinheiro eram ricas. Nunca
teriam de se preocupar. Era o suficiente para começar uma dinastia.
Os advogados congratularam Charles e o seu irmão Adam. Segundo o
testamento, diziam, os bens deveriam ser divididos igualmente. Depois
do dinheiro davam uma lista dos objetos pessoais deixados pelo
falecido: cinco espadas cerimoniais presenteadas a Cyrus em várias
convenções do Grande Exército da República, um martelo de juiz de
madeira de oliva com uma plaqueta de ouro, um relógio-amuleto da
Maçonaria com os ponteiros de diamantes, as jaquetas de ouro dos
dentes que ele tirou quando colocou dentaduras, um relógio de prata,
uma bengala com castão de ouro e assim por diante.
Charles
leu a carta mais duas vezes e apoiou a testa na palma das mãos.
Começou a pensar em Adam. Queria Adam em casa.
Charles
sentia-se perplexo e entorpecido. Acendeu o fogão, botou a
frigideira para esquentar e lançou nela fatias grossas de carne de
porco salgada. Voltou a dar uma olhada na carta. Subitamente a pegou
e colocou-a na gaveta da mesa da cozinha. Decidiu não pensar mais no
assunto por um tempo.
Claro
que não conseguiu pensar em outra coisa, mas era um pensamento
tedioso e circular que voltava repetidamente ao ponto de partida:
onde ele conseguira aquele dinheiro?
Quando
dois acontecimentos têm algo em comum, em suas naturezas ou no tempo
ou local, nós chegamos rapidamente à conclusão de que são
similares e, a partir dessa tendência, criamos uma magia e os
guardamos para contar de novo depois. Charles nunca antes na vida
tivera uma carta entregue para ele na fazenda. Algumas semanas
depois, um menino foi correndo até a fazenda com um telegrama.
Charles sempre associou a carta e o telegrama assim como juntamos
duas mortes e antecipamos uma terceira. Correu até a estação de
trem do vilarejo com o telegrama na mão.
— Veja
isso aqui — disse ao telegrafista.
— Eu
já li.
— Já
leu?
— Veio
pela linha — disse o telegrafista. — Eu o botei no papel.
— Ah!
Sim, por certo. “Necessidade urgente envie cem dólares pelo
telégrafo. Voltando para casa. Adam.”
— Veio
a cobrar — disse o telegrafista. — Deve-me sessenta centavos.
— Valdosta,
Geórgia, nunca ouvi falar.
— Nem
eu, mas está lá.
— Diga,
Carlton, como é que se telegrafa dinheiro?
— Bem,
o senhor me traz cento e dois dólares e sessenta centavos e eu mando
um telegrama dizendo ao telegrafista de Valdosta que pague cem
dólares para Adam. Deve-me sessenta centavos, também.
— Vou
pagar, mas, me diga, como posso saber que é Adam? O que vai impedir
qualquer outro de pegar o dinheiro?
O
telegrafista se permitiu um sorriso mundano.
— Nosso
modo de operar, senhor, é o seguinte: o senhor me dá uma pergunta
cuja resposta ninguém mais poderia saber. Então eu mando a pergunta
e a resposta. O telegrafista faz a pergunta ao sujeito e, se ele não
souber responder, não leva o dinheiro.
— Ora,
isso é muito inteligente. É melhor eu pensar em algo bem bom.
— É
melhor pegar os cem dólares enquanto o velho Breen ainda está com o
guichê aberto.
Charles
se divertiu com o jogo. Voltou com o dinheiro na mão.
— Já
tenho a pergunta — disse.
— Espero
que não seja o nome do meio da sua mãe. Muita gente não lembra.
— Não,
nada disso. É esta: “O que foi que você deu para papai no
aniversário dele pouco antes de partir para o Exército?”
— É
uma boa pergunta, mas é comprida como o diabo. Não pode reduzi-la
para dez palavras?
— Quem
está pagando? A resposta é: “Um filhote de cachorro.”
— Ninguém
adivinharia isso, eu acho — disse Carlton. — Bem, é o senhor
quem está pagando, não eu.
— Vai
ser engraçado se ele tiver esquecido — disse Charles. — Nunca
mais voltaria para casa.
John Steinbeck, em A leste do Éden
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