O
alcaide e as orelhas
Desde
que o galã fez a ameaça, dom Diego apalpa as orelhas cada manhã,
ao despertar, e as mede no espelho. Descobriu que as orelhas crescem
quando estão contentes e que as encolhem o frio e as melancolias;
que as transformam em ferro em brasa os olhares e as calúnias e que
batem asas desesperadamente, como pássaros na gaiola, quando escutam
o ruído de uma folha de aço que se afia.
Para
pô-las a salvo, dom Diego as traz para Cuzco. Guardas e escravos o
acompanham na longa viagem.
Um
domingo de manhã, dom Diego sai da missa, mais desfilando que
caminhando, seguido por um negrinho que leva seu reclinatório de
veludo. De repente um par de olhos se cravam, certeiros, em suas
orelhas, e uma capa azul atravessa em rajada a multidão e se
desvanece, ondulando, na distância.
Ficam
as orelhas como que machucadas.
Eduardo Galeano, em Os Nascimentos
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