quarta-feira, 6 de novembro de 2024

RSVP

Ideia para uma peça.

No palco uma mesa posta para 13 pessoas. Copos, pratos e talheres rústicos, grossas velas toscas e na frente de cada lugar um cartãozinho com o nome de quem deve sentar ali. Ninguém no palco.
Da esquerda aparece um mordomo seguido de um casal elegantemente vestido. O casal entra em cena visivelmente inseguro, olhando para todos os lados. O mordomo anuncia que os outros não demorarão a chegar e diz para o casal ficar à vontade. Se quiserem, podem beber água da moringa. O mordomo sai de cena. O casal se entreolha.
Ela diz, num cochicho:
Onde nós estamos?
Ele, cochichando também:
E eu sei?
Olhe o convite de novo.
O homem tira o convite do bolso do smoking e o examina pela décima vez. O convite ainda diz a mesma coisa.
Só a data, a hora, o endereço e, embaixo, “RSVP”.
Esse “RSVP” é que é a chave de tudo. Deve ser as iniciais de alguma coisa.
Mas do quê?
— “Reunião dos...” Sei lá.
Podemos estar no jantar errado.
Mas o mordomo viu o convite e nos deixou entrar.
Olhe os cartõezinhos para ver se os nossos nomes estão aí.
Ela (lendo):
— “João”, “Tiago”, “Pedro”...
Ele (lendo):
— “Mateus”, “Simão”, “Judas”...
Viu? Nossos nomes não estão aqui. Estamos no lugar errado.
— “Jesus”!
Que foi?
Neste cartãozinho. Está escrito “Jesus”!
Lentamente, eles se dão conta do que isto significa. Fazem a volta na mesa, um para cada lado, lendo os cartõezinhos outra vez. Se reencontram no meio da mesa.
Aí está — diz ele. — Jesus ao lado de Pedro.
Os dois se encaram, de olhos arregalados e boca aberta. Finalmente ele consegue falar.
As letras...
Que letras?
Na cruz. Em cima da cabeça de Jesus Cristo. Não eram...
RSVP!
Ele toma uma decisão:
Vamos embora.
Espera. E se a gente ficasse para...
Está maluca? Isto aqui acaba mal. Não vamos nos meter nesta confusão.
Mas...
Olhe, o jantar vai ser horrível, acredite. Só pão ázimo, vinho barato e conversa de homem. Você seria a única mulher. Iria se sentir deslocada.
Sim, mas...
E eles obviamente não estão nos esperando. Pense no vexame.
A mulher se convence. Tudo, menos uma gafe social. Os dois saem furtivamente do palco.

Luís Fernando Veríssimo, em Diálogos Impossíveis

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