quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Os Nascimentos | 1549 – Santiago do Chile

Última vez

O amanhecer abre um corte ondulante na negra neblina e separa a terra do céu.
Inês, que não dormiu, se solta dos braços de Valdívia. Está toda empapada dele e sente ferozmente vivo cada cantinho de seu corpo; olha suas próprias mãos, na brumosa primeira luz, e assusta-se com esses dedos que queimam. Busca o punhal. Ergue o punhal.
Valdívia dorme ronroneando. Vacila o punhal no ar, sobre o corpo despido.
Passam-se séculos.
Inês crava suavemente o punhal no travesseiro, junto à cara dele, e se afasta, na ponta dos pés pelo chão de terra. Deixa a cama toda vazia de mulher.

Eduardo Galeano, em Os Nascimentos

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