quinta-feira, 21 de novembro de 2024

O Louco e a Vênus


Que dia maravilhoso! O vasto parque se deleita sob o irradiar intenso do sol, assim como a juventude sob o domínio do Amor.
O êxtase universal das coisas não se trai por nenhum ruído; os próprios córregos parecem dormir. Diferentemente das festas humanas, a orgia aqui é silenciosa.
Uma luz cada vez mais ardente faz brilhar e brilhar os objetos; as flores excitadas queimam do desejo de rivalizar com o azul do céu pela energia das suas cores; o calor, tornando visíveis os perfumes, soergue-os até o astro, como vapores.
Entretanto, em meio a essa universal alegria, pude distinguir um ser aflito.
Aos pés de uma Vênus colossal, via-se um desses falsos loucos, um desses bufões que se prestam a divertir os reis quando o Remorso ou o Tédio os obseda; ataviado em um traje berrante e ridículo, coroado de cornos e de guizos, acachapado de encontro ao pedestal, dirigia ele os olhos cheios de lágrimas à divina Deusa.
Os olhos diziam:
Sou o último e o mais solitário dos humanos, privado de amor e de amizade, e nisso muito inferior ao mais imperfeito dos animais. Fui criado, entretanto, também eu, para admirar e sentir a Beleza imortal! Ah, Deusa! Tenha piedade da minha tristeza e do meu delírio!
Mas a Vênus, implacável, mirava sabe-se lá o que no horizonte, com seus olhos de mármore.

Charles Baudelaire, em O spleen de Paris – Pequenos poemas em prosa

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