domingo, 3 de novembro de 2024

O impossível



Ah! essa vida da minha infância, a grande rota por todos os tempos, sobrenaturalmente sóbria, mais desinteressada que o melhor dos mendigos, ufana de não ter nem pátria nem amigos, que tolice. – E eu mal me apercebia!
Tive razão em desprezar os bons sujeitos que não perderiam a ocasião de uma carícia, parasitas da limpeza e da saúde de nossas mulheres, hoje em que elas estão tão pouco de acordo conosco.
Tive razão em todos os desdéns; pois vou me evadir!
Evadir!
Explico.
Ontem ainda, suspirava: “Céu! somos os condenados da terra! Eu, já há tanto tempo nessa tropa! Conheço todos. Nos reconhecemos sempre; nos repugnamos. A caridade nos é desconhecida. Mas somos polidos; nossas relações com o mundo são decorosas.” É surpreendente? O mundo! os comerciantes, os ingênuos! – Não somos vilipendiados. – Mas os eleitos, como nos receberiam? Ora, há pessoas irascíveis e alegres, falsos eleitos, já que precisamos de audácia ou humildade para abordá-los. São os únicos eleitos. Não dão a bênção!
Tendo encontrado dois tostões de razão – isso passa ligeiro! – vejo que meus mal-estares vêm de não me ter dado conta mais cedo de que estamos no Ocidente. Os pântanos ocidentais! Não que julgue a lua alterada, a forma extenuada, o movimento equivocado... Bem! meu espírito quer absolutamente se encarregar de todos os desenvolvimentos cruéis que o espírito sofreu desde o fim do Oriente... Tem raiva, meu espírito!
... Meus dois tostões de razão terminaram! – O espírito é autoridade, quer que eu esteja no Ocidente. Cumpre fazê-lo calar para concluir como eu pretendia.
Mando para o inferno o sacrifício dos mártires, os clarões da arte, o orgulho dos inventores, o ardor dos plagiários; volto ao Oriente e à sabedoria primeira e eterna. – Parece uma veleidade de grosseira preguiça!
No entanto, quase não pensava no prazer de escapar aos sofrimentos modernos. Não tinha em vista a sabedoria bastarda do Corão. – Mas há um suplício real no fato de que, desde esta declaração da ciência, o cristianismo, o homem se exerce, prova-se com as evidências, se incha do prazer de repetir essas provas, e não vive senão assim! Tortura sutil, boba; fonte de minhas indagações espirituais. A natureza poderia se aborrecer, talvez! O sr. Prudhomme(1) nasceu com o Cristo.
Não é por cultivarmos a bruma! Engolimos a febre com nossos legumes aquosos. E a bebedeira! e o tabaco! e a ignorância! e as dedicações! – Tudo isso está tão longe do pensamento, da sensatez do Oriente, a pátria primitiva? Por que um mundo moderno, se se inventam tais venenos?
Gentes da Igreja dirão: Compreende-se. Mas pretendem falar do Éden. Nada para eles na história dos povos orientais. – É certo; é no Éden que eu pensava! O que é para o meu sonho essa pureza das raças antigas!
Os filósofos: O mundo não tem idade. A humanidade se desloca, simplesmente. Está no Ocidente, mas livre para ir morar no seu Oriente, por antigo que o julgue – e de morar bem ali. Não seja um vencido. Filósofos, vocês pertencem ao Ocidente de vocês.
Meu espírito, em guarda. Nada de partidos de salvação violentos. Cumpre-te! – Ah! a ciência não vai bastante ligeiro para nós.– Mas noto que meu espírito adormece.
Se estivesse bem acordado sempre, a partir deste momento, chegaríamos logo à verdade, que talvez nos cerque com seus anjos chorando!... – Se ele tivesse sido despertado até este momento, seria por eu não ter cedido aos instintos deletérios, numa época imemorial!... – Se ele estivesse sempre desperto, eu navegaria em plena sabedoria!…
Ó pureza! Pureza!
Foi este momento do despertar que me deu a visão da pureza! – Pelo espírito se vai a Deus!
Dilacerante infortúnio!

(1) Joseph Prudhomme, personagem de Henry Monier em títulos de 1830 e 1857, representa a nulidade satisfeita. (N.T.)

Arthur Rimbaud, em Uma temporada no inferno seguido de Correspondência

Nenhum comentário:

Postar um comentário