domingo, 24 de novembro de 2024

Adeus


O outono já! – Mas por que sentir falta dum sol permanente, se nos empenhamos na descoberta da claridade divina – longe dos que morrem pelas estações.
O outono. Nossa barca nas brumas imóveis avança para o porto da miséria, a enorme cidade manchada de fogo e lama. Ah! os farrapos podres, o pão molhado de chuva, a embriaguez, os mil amores que me crucificaram! Ela não terminará com o vampiro rei de milhões de almas e corpos e que serão julgados! Me imagino com a pele tomada pelo barro e a peste, vermes cheios de cabelos e axilas e o maior deles no coração, estendido entre desconhecidos sem idade, sem sentimento... Teria podido morrer... A terrível evocação! Execro a miséria.
E temo o inverno por ser a estação do conforto!
Não raro vejo no céu praias sem-fim cobertas de brancas nações alegres. Um grande navio de ouro, acima de mim, agita as bandeiras multicores sob as brisas da manhã. Criei todas as festas, todos os êxitos, todos os dramas. Procurei inventar flores novas, astros novos, carnes novas, línguas novas. Pensei adquirir poderes sobrenaturais. Bem! devo enterrar minha imaginação e minhas lembranças! Uma bela glória de artista e narrador suprimida!
Eu! eu que tinha me dado por mágico ou anjo, dispensado de toda moral, à superfície da terra, com um dever a buscar, e a realidade rugosa a estender! Aldeão!
Me enganei? a caridade seria irmã da morte para mim?
Afinal pedirei perdão por me ter nutrido de mentira. Prossigamos.
E nem uma mão amiga! onde encontrar socorro?
Sim, a hora nova é a menos severa.
Pois posso dizer que a vitória está garantida: o ranger de dentes, as labaredas de fogo, os suspiros enfermos se moderam. Todas as lembranças sujas se apagam. Meus últimos remorsos se retiram – invejas pelos mendigos, os facínoras, os amigos da morte, os retardados de toda espécie. – Condenados, se eu me vingasse!
É preciso ser absolutamente moderno.
Nada de cânticos: manter o passo dado. Dura noite! O sangue seco recende no meu rosto, e nada tenho atrás de mim senão este horrível pinheiro!... O combate espiritual é tão brutal quanto a batalha de homens; mas a visão da justiça é o prazer apenas de Deus.
Entretanto, a vigília. Recebemos todos os influxos de vigor e ternura real. E na aurora, armados duma ardente paciência, entraremos nas cidades esplêndidas.
Que falei de mão amiga! Uma vantagem é que posso rir dos falsos amores e causar vergonha a esses casais mentirosos – vi o inferno das mulheres – e me será lícito possuira verdade numa alma e num corpo.
Abril-agosto, 1873.

Arthur Rimbaud, em Uma temporada no inferno seguido de Correspondência

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