Amor:
em teu regaço as formas sonham
o
instante de existir: ainda é bem cedo
para
acordar, sofrer. Nem se conhecem
os
que se destruirão em teu bruxedo.
Nem
tu sabes, amor, que te aproximas
a
passo de veludo. És tão secreto,
reticente
e ardiloso, que semelhas
uma
casa fugindo ao arquiteto.
Que
presságios circulam pelo éter,
que
signos de paixão, que suspirália
hesita
em consumar-se, como flúor,
se
não a roça enfim tua sandália?
Não
queres morder célere nem forte.
Evitas
o clarão aberto em susto.
Examinas
cada alma. E fogo inerte?
O
sacrifício há de ser lento e augusto.
Então,
amor, escolhes o disfarce.
Como
brincas (e és sério) em cabriolas,
em
risadas sem modo, pés descalços,
no
círculo de luz que desenrolas!
Contempla
este jardim: os namorados,
dois
a dois, lábio a lábio, vão seguindo
de
teu capricho o hermético astrolábio,
e
perseguem o sol no dia findo.
E
se deitam na relva; e se enlaçando
num
desejo menor, ou na indecisa
procura
de si mesmos, que se expande,
corpóreos,
são mais leves do que brisa.
E
na montanha-russa o grito unânime
é
medo e gozo ingênuo, repartido
em
casais que se fundem, mas sem flama,
que
só mais tarde o peito é consumido.
Olha,
amor, o que fazes desses jovens
(ou
velhos) debruçados na água mansa,
relendo
a sem palavra das estórias
que
nosso entendimento não alcança.
Na
pressa dos comboios, entre silvos,
carregadores
e campainhas, rouca
explosão
de viagem, como é lírico
o
batom a fugir de uma a outra boca.
Assim
teus namorados se prospectam:
um
é mina do outro; e não se esgota
esse
ouro surpreendido nas cavernas
de
que o instinto possui a esquiva rota.
Serão
cegos, autômatos, escravos
de
um deus sem caridade e sem presença?
Mas
sorriem os olhos, e que claros
gestos
de integração, na noite densa!
Não
ensaies demais as tuas vítimas,
ó
amor, deixa em paz os namorados.
Eles
guardam em si, coral sem ritmo,
os
infernos futuros e passados.
Carlos Drummond de Andrade, em A vida passada a limpo
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