A
insônia levitava a cidade mal iluminada. Não havia porta fechada e
toda janela tinha sua quente luz. Em torno dos lampiões as larvas
voavam. À margem do rio as mesas, as poucas conversas cansadas,
crianças adormecidas no colo. A desperta leveza da noite não nos
deixava ir dormir; como andarilhos, devagar andávamos. Fazíamos
parte do velório amarelado dos lampiões, e das larvas aladas, e de
redondas alturas suspensas, e da vigília de toda uma abóbada
celeste. Fazíamos parte da grande espera que, por si mesma e em si
mesma, é o que o universo inteiro faz. Desde as outras enormes
larvas que haviam outrora bebido lentamente da água daquele rio.
Mas
dentro da grande espera total, que era o modo de se estar sendo, eu
pedia trégua. Aquela noite de verão em agosto era do mais fino
tecido, para sempre inquebrável, de se estar esperando. Eu queria
que a noite começasse enfim a tremer em fino espasmo, principiando a
sua agonia; para que também eu pudesse dormir. Mas eu sabia que a
noite de estio não se esgarça nem amanhece, ela apenas se sudoriza
na morna febre da madrugada. E sempre sou eu quem tem ido dormir,
sempre sou eu quem tem entrado em agonia, enquanto ela permanece como
um olho sem pálpebra. É sob o grande olho acordado do mundo que
tenho arrumado o meu sono, enrolando em mil panos de múmia o meu
grão de insônia, que é o diamante que me coube. Eu estava na
esquina e sabia que nada jamais entrará em agonia. É um mundo
eterno. E eu sabia que sou eu que tenho de morrer.
Mas
não queria sozinha, queria um lugar que se parecesse com o que eu
precisava, queria que recebessem minha agonia necessária. Minhas
mortes não são por tristeza – são um dos modos do mundo inspirar
e expirar, a sucessão de vidas é a respiração da espera infinita,
e eu mesma, que também sou o mundo, preciso do ritmo de minhas
agonias. Mas se eu, como mundo, concordo com a minha morte, eu, como
a outra coisa que extremamente também sou, preciso que as mãos da
misericórdia recebam o corpo morto. Eu, que também sou a esperança
da redenção da espera, preciso que a piedade do amor me salve e ao
espírito de meu sangue. O sangue que está tão negro na poeira
negra de minhas sandálias, e minha testa estava rodeada de mosquitos
como uma fruta. Onde poderia eu me refugiar e livrar-me da vibrante
noite de verão que me acorrentara à sua grandeza? Meu pequeno
diamante se tornara tão maior que eu, e eu via que também as
estrelas são duras e brilhantes, e eu precisava ser o fruto que
apodrece e rola. Eu precisava do abismo.
Vi
então, toda de pé, a Catedral de Berna.
Mas
também a catedral estava quente e alerta. Cheia de vespas.
Clarice Lispector, em Todas as crônicas
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