E
no meio dessa confusão alguém partiu sem se despedir; foi triste.
Se houvesse uma despedida talvez fosse mais triste, talvez tenha sido
melhor assim, uma separação como às vezes acontece em um baile de
carnaval — uma pessoa se perde da outra, procura-a por um instante
e depois adere a qualquer cordão. É melhor para os amantes pensar
que a última vez que se encontraram se amaram muito — depois
apenas aconteceu que não se encontraram mais. Eles não se
despediram, a vida é que os despediu, cada um para seu lado — sem
glória nem humilhação.
Creio
que será permitido guardar uma leve tristeza, e também uma
lembrança boa; que não será proibido confessar que às vezes se
tem saudades; nem será odioso dizer que a separação ao mesmo tempo
nos traz um inexplicável sentimento de alívio, e de sossego; e um
indefinível remorso; e um recôndito despeito.
E
que houve momentos perfeitos que passaram, mas não se perderam,
porque ficaram em nossa vida; que a lembrança deles nos faz sentir
maior a nossa solidão; mas que essa solidão ficou menos infeliz:
que importa que uma estrela já esteja morta se ela ainda brilha no
fundo de nossa noite e de nosso confuso sonho?
Talvez
não mereçamos imaginar que haverá outros verões; se eles vierem,
nós os receberemos obedientes como as cigarras e as paineiras —
com flores e cantos. O inverno — te lembras — nos maltratou; não
havia flores, não havia mar, e fomos sacudidos de um lado para outro
como dois bonecos na mão de um titeriteiro inábil.
Ah,
talvez valesse a pena dizer que houve um telefonema que não pôde
haver; entretanto, é possível que não adiantasse nada. Para que
explicações? Esqueçamos as pequenas coisas mortificantes; o
silêncio torna tudo menos penoso; lembremos apenas as coisas
douradas e digamos apenas a pequena palavra: adeus.
A
pequena palavra que se alonga como um canto de cigarra perdido numa
tarde de domingo.
Rubem Braga, em A Traição das Elegantes
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