8.
[...]
Professor,
tenho o vício de fumar. É um vício que já encontra várias
restrições na Europa, nos Estados Unidos e até no Japão. Por toda
parte, o fumante é lembrado de sua vulgaridade e de sua falta de
educação. Mas aqui em nossa terra, por enquanto, ainda não existem
essas restrições. Peguei o maço, tirei um cigarro e acendi com um
fósforo. Gosto do leve cheiro de enxofre que se espalha no instante
em que se acende um fósforo. Professor, eu estava fumando um cigarro
Jin Ge, literalmente “pavilhão dourado”, uma marca local de
preço bem elevado. Dizem que cada maço custa duzentos iuanes, ou
seja, cada cigarro custa dez iuanes. Uma libra, cerca de meio quilo,
de trigo sai por oitenta centavos, ou seja, seria preciso vender doze
libras e meia de trigo para poder comprar um cigarro dessa marca.
Doze libras e meia de trigo poderiam virar quinze libras de pão e
alimentar uma pessoa por pelo menos dez dias. Mas um cigarro da marca
Jin Ge acaba em algumas baforadas. A embalagem era realmente
magnífica, me lembrava o Pavilhão Dourado de Kyoto, em seu estimado
país. Não sei dizer se aquele pavilhão realmente inspirou os
designers da embalagem. Sei que meu pai odeia que eu fume esse
cigarro, mas ele só fez um comentário simples: “Carma ruim!”.
Expliquei a ele, apressado, que não fui eu que comprei, ganhei de
outra pessoa. A resposta dele foi mais simples: “Pior ainda”. Me
arrependi de dizer o preço do cigarro a meu pai: só serviu para
reforçar minha futilidade e meu esnobismo. No fundo, que diferença
existe entre mim e os novos-ricos que ostentam grifes e exibem
esposas novinhas? Mas também não posso jogar fora um cigarro tão
caro só por causa de uma crítica do meu pai. Se fizesse isso, não
iria piorar ainda mais meu carma? Adicionaram alguma especiaria no
tabaco. Um aroma inebriante exala enquanto ele queima. Vi que Nariz
não conseguia firmar o corpo, deu uma série de espirros sonoros,
seu olhar tinha se desviado aos poucos da cabeça de veado para o
nosso lado, primeiro inseguro, tímido, vacilante, depois ganancioso
e ávido, até um tanto cruel, e recaía sobre nós com uma mistura
de todos esses sentimentos.
Professor,
o homem finalmente se levantou e veio em nossa direção arrastando a
espada como se fosse uma bengala, mancava. A iluminação do
restaurante era fraca, mas dava para enxergar seu rosto. Suas feições
e músculos faciais produziam, em conjunto, uma expressão complexa,
difícil de descrever com palavras precisas. Não sabia dizer,
naquele momento, se ele fixava os olhos em mim ou na fumaça que saía
da minha boca. Levantei-me apressado, a cadeira fez um barulho atrás
de mim. Leoazinha também se levantou.
Ele
parou bem na nossa frente e eu logo estendi a mão, fingindo
surpresa: “Chen Nariz”. Ele não me deu conversa, muito menos
apertou minha mão. Manteve uma distância respeitosa e fez uma
reverência profunda. Depois, com as mãos apoiadas naquela espada
enferrujada, disse num tom teatral: “Nobre senhora, estimado
senhor, eu, cavaleiro Dom Quixote de la Mancha, apresento-vos meus
respeitos. Sou um humilde servo ao vosso inteiro dispor”.
“Deixe
de brincadeira, Nariz”, eu disse, “que teatro é esse? Sou Wan
Perna e esta aqui é Leoazinha…”
“Prezado
senhor, estimada senhora, para um cavaleiro leal, não há causa mais
sagrada do que empunhar a espada para defender a paz e a justiça…”
“Cara,
pare com esse teatro.”
“O
mundo é um grande palco onde todo dia se encena o mesmo repertório.
Senhor e senhora, se puderdes oferecer-me um dos cigarros em vossa
mão, estou disposto a mostrar-vos a fantástica arte da esgrima.”
Passei-lhe
um cigarro às pressas e acendi para ele, solícito. Ele deu uma
longa tragada, a brasa na ponta reluziu e queimou rapidamente.
Franziu os olhos, amontoando as rugas do rosto, depois pouco a pouco
relaxou, dois grossos fios de fumaça saíram por suas largas
narinas. Ver alguém desfrutar tanto de um cigarro me deixou surpreso
e comovido. Apesar de ser fumante há muito tempo, meu vício não é
dos mais fortes, por isso nunca senti o que esse homem experimentava
diante de mim. Deu uma nova tragada, profunda, o tabaco logo se
queimou quase todo. Esse tipo de cigarro luxuoso, muito espertamente,
tem o filtro bem comprido. Isso, por um lado, reduz a quantidade de
tabaco e, por outro, oferece algum consolo aos fumantes ricos que
temem a morte, mas não conseguem largar o vício. Com apenas três
tragadas ele já estava queimando o filtro do cigarro. Eu
simplesmente lhe entreguei o maço todo. Olhou em volta encabulado,
e, num movimento brusco, pegou o maço e o enfiou na manga. Esquecido
da promessa de mostrar a maravilhosa arte da esgrima, correu para a
entrada, mancando e arrastando a espada e uma das pernas. Ao passar
pela porta, aproveitou para tirar uma baguete do cesto de vime.
“Dom
Quixote! Está pedindo coisas aos clientes de novo!” O
pseudo-Sancho vinha em nossa direção com duas canecas espumantes de
cerveja preta nas mãos, sua voz era direcionada a Chen Nariz. Lá
atrás do vidro, vimos o coitado atravessar a praça arrastando a
espada enferrujada e a perna inválida, sua longa sombra oscilando
até desaparecer na escuridão. O cachorro, que parecia bem robusto,
o seguia de perto. O homem ia todo acabrunhado, e o cachorro, todo
altivo.
“Que
sujeito desagradável!”, disse o pseudo-Sancho meio se desculpando,
meio se exibindo. “Ele sempre apronta dessas, é só virarmos as
costas, uma vergonha. Em nome do patrão, peço-lhes desculpas. Mas
acredito que dar uns cigarros e umas moedas a um cavaleiro abatido
não deve aborrecê-los tanto.”
“De
modo algum, imagine…” Senti que não conseguiria me acostumar ao
modo de falar desse garçom gordo. Não está atuando num filme, nem
numa peça de teatro, para que falar com essa afetação. Perguntei:
“Mas foram vocês que o contrataram?”.
“Senhor,
a bem da verdade”, respondeu o garçom, “no início do negócio,
nosso patrão teve pena dele, desenhou esse figurino e pediu para nós
dois ficarmos na entrada do restaurante e atrair clientes. Mas ele é
cheio de problemas, bebe demais, fuma demais, e quando está atacado
não presta para nada. Além de tudo, ainda anda colado com aquele
cachorro sarnento. Também não dá a mínima para a higiene pessoal.
Eu, por exemplo, tomo banho duas vezes por dia. Podemos não ter uma
aparência agradável, mas pelo menos o cheiro do nosso corpo agrada
os clientes. Faz parte da ética profissional de um garçom
experiente. E aquele sujeito, a não ser quando pega uma chuva forte,
nunca toma banho. O fedor chega a espantar os clientes. Além disso,
ele mais de uma vez violou a proibição do nosso patrão: pedir
coisas ou dinheiro dos clientes. Se eu fosse patrão, já tinha
expulsado um malandro desses a pauladas, mas gente boa que é, nosso
patrão deu várias chances na esperança de que ele melhorasse o
comportamento. Só que um homem desses não vai mudar, como o
cachorro não vai deixar de comer cocô. Nosso patrão deu dinheiro
para ele não voltar mais, mas ele sempre volta depois de gastar
tudo. Se eu fosse o patrão, chamava a polícia, mas o nosso patrão
é um homem gentil e o tolera, ainda que possa prejudicar o negócio.”
O garçom gordo baixou a voz: “Mais tarde, ouvi dizer que ele foi
colega de turma do patrão. Mesmo assim, ele não precisava ser tão
tolerante. Algum tempo depois, alguém finalmente reclamou do cheiro
azedo do ‘Dom Quixote’ e das pulgas do cachorro sarnento. Nosso
chefe pagou uma pessoa para levá-lo à força a uma casa de banho,
onde lavaram minuciosamente o homem e o cachorro. Isso se tornou uma
regra, banho forçado uma vez por mês. Mas o sujeito é ingrato.
Todas as vezes, ele fica xingando mergulhado na água do banho: ‘Li
Mão, seu filho da puta, você está arruinando a dignidade de um
cavaleiro!’”.
Professor,
naquele dia depois do jantar, Leoazinha e eu passeávamos
melancólicos à beira do rio, caminhando em direção ao nosso novo
apartamento. O reencontro com Chen Nariz fez surgir em nosso coração
todo tipo de sentimento. Como é angustiante olhar para o passado. Em
algumas décadas, tudo está completamente transformado, surgiram
tantas coisas com as quais nem sequer sonhamos, e outros tantos
assuntos seríssimos, de vida ou morte, viraram piada. Não trocamos
palavra, mas é muito provável que pensássemos a mesma coisa.
Professor,
a segunda vez que o vi foi no hospital da zona de desenvolvimento.
Estavam conosco Li Mão e Wang Fígado. Ele tinha sido atropelado por
um carro de polícia. Segundo o policial que dirigia, e conforme
atestaram testemunhas oculares, a viatura seguia normalmente pela
estrada quando, do nada, Nariz se jogou na frente do veículo. Foi
simplesmente uma tentativa de suicídio. O cachorro o seguiu e também
entrou na frente. O carro bateu em Nariz e ele voou para o arbusto à
beira da estrada, o cachorro foi esmagado sob as rodas. Nariz teve
fraturas múltiplas nas duas pernas, machucou também o braço e a
lombar, mas não correu risco de morte. Já o cachorro ofereceu a
própria vida, sacrificou-se pelo seu amo.
Foi
Li Mão que nos avisou do acidente de Chen Nariz. Segundo Mão, o
policial de fato não teve culpa, mas considerando a condição de
Nariz e o fato de ele acionar todos os seus contatos, a polícia
concordou em pagar dez mil iuanes de indenização. A quantia
obviamente não era suficiente para uma lesão tão grave. Entendi
que Li Mão tinha chamado nosso grupo de velhos colegas de turma para
visitá-lo no hospital com o propósito fundamental de captar
recursos para pagar as despesas médicas de Nariz.
Ele
ficou numa enfermaria grande, com vinte leitos, o dele era o número
9, perto da janela. Era início de maio, na frente da janela um pé
de magnólia roxa em plena florada exalava um aroma delicioso.
Apesar do grande número de leitos, a enfermaria estava bem limpa e
arrumada. Ainda que não se compare aos grandes hospitais de Pequim e
Shanghai, este já era um enorme progresso em relação ao posto de
saúde da comuna, duas décadas atrás. Professor, acompanhei minha
mãe quando ela ficou uma semana internada no posto de saúde. Os
leitos estavam cheios de piolhos, as paredes tinham manchas de sangue
e fileiras de moscas. Ainda tremo só de lembrar. As duas pernas de
Nariz estavam engessadas, o braço direito também, estava deitado de
costas, só conseguia mexer o braço esquerdo.
Quando
nos viu chegando, ele virou a cara para o outro lado.
Foi
Wang Fígado que quebrou o gelo, fazendo graça: “Mas o que
aconteceu, Grande Cavaleiro? Foi na luta contra os moinhos? Ou no
duelo contra seu rival no amor?”.
“Se
não quiser continuar vivendo, basta me avisar, para que se jogar na
frente de um carro de polícia?”, brincou Li Mão.
“Mas
que ótimo ator! No papel de cavaleiro, nem fala mais conosco”,
disse Leoazinha. “É tudo culpa de Mão, que deixou você
amalucado.”
“Como
assim amalucado?”, perguntou Li Mão. “Ele é o príncipe da
maluquice fingida.”
De
repente, ele começou a chorar amargamente. A cabeça virada ficou
mais baixa, seus ombros se contraíam, a mão esquerda, que ainda
conseguia mexer, arranhava a parede.
Uma
enfermeira magra e alta entrou com passos rápidos, escaneou cada um
de nós com um olhar gelado, deu uns tapinhas na cabeceira de ferro
da cama e disse: “Número 9, pare com isso”.
Ele
parou de chorar imediatamente, desentortou a cabeça e fixou em nós
seu olhar turvo.
A
enfermeira esguia apontou para o buquê que deixamos na mesa de
cabeceira, franziu o nariz com desdém e ordenou: “Segundo as
regras deste hospital, não é permitido entrar com flores na
enfermaria”.
“Mas
que regra é essa?”, questionou Leoazinha, descontente. “Nem os
grandes hospitais de Pequim têm essa regra!”
A
enfermeira esguia nem se deu ao trabalho de discutir com Leoazinha e
disse para Chen Nariz: “Fale para sua família pagar a conta, hoje
é o último dia”.
“Mas
que tom é esse?”, falei, indignado.
A
enfermeira franziu os lábios e disse: “É o tom do trabalho”.
“Vocês
ainda têm algum espírito humanitário?”, perguntou Wang Fígado.
“Só
estou transmitindo a mensagem”, disse a enfermeira. “Vocês, com
o espírito humanitário, podem pagar a conta por ele, acredito que o
diretor do nosso hospital dará a cada um de vocês uma medalha com
os dizeres: EXEMPLO DE HUMANISMO.”
Fígado
ainda queria discutir, Mão o deteve.
A
enfermeira saiu, mal-humorada.
Olhamo-nos,
cada qual com seu pensamento. Com a gravidade da lesão de Chen
Nariz, as despesas médicas deviam chegar a uma cifra assombrosa.
“Por
que me colocaram aqui?”, Nariz se queixou. “Mesmo que eu morra, é
da conta de vocês? Se não me tivessem colocado neste lugar, eu já
estaria morto e não precisaria mais sofrer deitado aqui.”
“Não
fomos nós que te salvamos”, disse Fígado, “foi o policial que
te atropelou que chamou a ambulância.”
“Se
não foram vocês que me trouxeram para cá”, disse ele com frieza,
“então o que estão fazendo aqui? Vieram ter pena de mim? Vieram
prestar solidariedade? Não preciso. Podem sair agora e levem essas
flores tóxicas. O cheiro está me dando dor de cabeça. Querem me
ajudar com as despesas médicas? Não precisa de jeito nenhum. Sou um
cavaleiro digno, amigo próximo do rei e amante da rainha, essa
merreca de despesa médica será paga naturalmente pelos cofres do
Estado. Mesmo que os reis não paguem minha conta, não preciso de
suas esmolas. Minhas filhas são duas fadas lindas, bem afortunadas,
se não se tornarem primeiras-damas, podem se casar com a família
real. O dinheiro que elas deixam escapar por entre os dedos dá para
comprar este hospital!”
Professor,
é claro que entendemos o que Chen Nariz queria dizer com esses
delírios. Ele com certeza estava se fazendo passar por maluco,
apesar de sua mente estar clara como um espelho d’água. Mas uma
vez acostumada a esse fingimento, com o tempo a pessoa pode ficar
meio biruta mesmo. Quando viemos visitá-lo no hospital com Li Mão,
na verdade estávamos apreensivos. Não há problema algum em levar
flores, dizer palavras de consolo ou até doar algumas dezenas de
iuanes. Mas nos fazer arcar com as enormes despesas médicas na
verdade seria meio… porque, afinal de contas, Chen Nariz é
praticamente ninguém para nós e ainda se encontra num estado
desses, se estivesse um pouco mais normal… Em suma, professor,
embora não nos falte o senso de justiça e a compaixão, no final
ainda somos pessoas mundanas e não tão nobres e generosas a ponto
de ajudar uma aberração social. Por isso, o disparate de Nariz nos
ofereceu uma desculpa. Ficamos olhando para Li Mão, que nos tinha
convocado. Ele coçou a cabeça e disse: “Nariz, descanse bem. Já
que foi uma viatura da polícia que te atropelou, eles é que devem
se responsabilizar por tudo. Se isso não acontecer, vamos tentar
achar outro jeito…”.
“Saiam
daqui!”, disse Nariz. “Se meus braços conseguissem levantar a
lança, eu bateria nessas suas cabeças ignorantes.”
Se
não saíssemos agora, teríamos algum outro momento mais oportuno?
Quando estávamos prontos para sair abraçados àqueles buquês de
flores pulverizadas com aromatizante de qualidade inferior, a
enfermeira alta e magra entrou na enfermaria acompanhada de um homem
de jaleco branco. A enfermeira apresentou o homem: era o vice-diretor
financeiro do hospital. Também nos apresentou ao vice-diretor,
dizendo que éramos parentes do leito número 9. Sem rodeios, o
vice-diretor mostrou uma conta, segundo a qual a soma das despesas
com o salvamento e os cuidados médicos já passava de vinte mil
iuanes. Ele salientou, repetidamente, que o preço contabilizava
apenas os custos básicos. A cifra seria muito mais alta se o cálculo
fosse feito como de praxe. Enquanto isso, Chen Nariz não parava de
gritar, irritado: “Saiam daqui, seus aproveitadores, agiotas,
vermes de defunto, não conheço vocês de lugar nenhum”. Ele
brandia o braço que ainda conseguia mexer, batia na parede, tateou
até pegar uma garrafa na mesa de cabeceira e jogou-a no leito da
frente, acertou o velho moribundo que tomava soro. “Saiam daqui,
minha filha é dona deste hospital, vocês são todos empregados
dela. Uma palavra minha pode fazer vocês perderem o emprego…”
No
auge da discussão, professor, entrou na enfermaria uma mulher de
vestido preto e véu negro. O senhor já deve saber quem era. Sim,
era Chen Sobrancelha, a caçula de Nariz que sobreviveu ao incêndio
na fábrica de brinquedos com o rosto desfigurado.
Ela
entrou como uma aparição, flutuando enfermaria adentro. O vestido e
o véu pretos traziam uma sensação de mistério, e também um
calafrio sinistro, algo infernal. A bagunça parou de imediato,
parecia que tinham desligado a energia de uma máquina ruidosa. Até
o ar quente e abafado esfriou. Na árvore de magnólia à frente da
janela, um pássaro cantava com ternura.
Não
conseguimos ver o rosto dela, nem mesmo um só pedaço de pele do seu
corpo. O que podíamos ver era sua alta estatura, os membros longos e
delgados, um corpo de modelo. Naturalmente sabíamos que era
Sobrancelha. Claro que Leoazinha e eu relembramos aquele bebê de
colo de mais de duas décadas atrás. Ela acenou para nós e disse ao
vice-diretor do hospital: “Sou a filha dele, vim pagar as suas
dívidas!”.
Professor,
tenho um amigo especialista do Instituto de Queimaduras do Hospital
304 em Pequim, um acadêmico prestigiado. Segundo ele, para um
paciente com queimaduras, é mais difícil suportar a dor psicológica
do que a dor física. Quando veem no espelho pela primeira vez seu
rosto desfigurado, o forte choque e a enorme angústia são
insuportáveis. Essas pessoas precisam de muita coragem para
continuar vivendo.
Professor,
o homem é um produto das circunstâncias. Em determinados contextos,
um covarde pode se tornar valente, um bandido pode fazer boas ações,
mesmo o mais pão-duro pode gastar fortunas sem piscar. A presença
de Sobrancelha e sua coragem de assumir a responsabilidade nos
deixaram envergonhados. Essa vergonha virou um senso de decência. E
com o senso de decência, veio um arroubo de generosidade. Primeiro
foi Li Mão que falou, e depois nós: “Sobrancelha, querida
sobrinha, podemos arcar com a conta de seu pai”.
A
moça respondeu friamente: “Obrigada pela bondade, mas já estamos
devendo muito a outros, não podemos contrair mais dívidas”.
Chen
Nariz gritou: “Fora daqui, seu demônio de véu preto, como se
atreve a fingir que é minha filha? As minhas filhas, uma estuda na
Espanha, namora um príncipe e logo vai tratar do casamento; a outra
está na Itália, comprou o vinhedo mais antigo da Europa, de onde
sai o melhor vinho, encheu um navio de dez mil toneladas que está a
caminho da China…”.
Mo Yan, em As rãs
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