sábado, 10 de agosto de 2024

As rãs – Parte IV


8.
[...]

Professor, tenho o vício de fumar. É um vício que já encontra várias restrições na Europa, nos Estados Unidos e até no Japão. Por toda parte, o fumante é lembrado de sua vulgaridade e de sua falta de educação. Mas aqui em nossa terra, por enquanto, ainda não existem essas restrições. Peguei o maço, tirei um cigarro e acendi com um fósforo. Gosto do leve cheiro de enxofre que se espalha no instante em que se acende um fósforo. Professor, eu estava fumando um cigarro Jin Ge, literalmente “pavilhão dourado”, uma marca local de preço bem elevado. Dizem que cada maço custa duzentos iuanes, ou seja, cada cigarro custa dez iuanes. Uma libra, cerca de meio quilo, de trigo sai por oitenta centavos, ou seja, seria preciso vender doze libras e meia de trigo para poder comprar um cigarro dessa marca. Doze libras e meia de trigo poderiam virar quinze libras de pão e alimentar uma pessoa por pelo menos dez dias. Mas um cigarro da marca Jin Ge acaba em algumas baforadas. A embalagem era realmente magnífica, me lembrava o Pavilhão Dourado de Kyoto, em seu estimado país. Não sei dizer se aquele pavilhão realmente inspirou os designers da embalagem. Sei que meu pai odeia que eu fume esse cigarro, mas ele só fez um comentário simples: “Carma ruim!”. Expliquei a ele, apressado, que não fui eu que comprei, ganhei de outra pessoa. A resposta dele foi mais simples: “Pior ainda”. Me arrependi de dizer o preço do cigarro a meu pai: só serviu para reforçar minha futilidade e meu esnobismo. No fundo, que diferença existe entre mim e os novos-ricos que ostentam grifes e exibem esposas novinhas? Mas também não posso jogar fora um cigarro tão caro só por causa de uma crítica do meu pai. Se fizesse isso, não iria piorar ainda mais meu carma? Adicionaram alguma especiaria no tabaco. Um aroma inebriante exala enquanto ele queima. Vi que Nariz não conseguia firmar o corpo, deu uma série de espirros sonoros, seu olhar tinha se desviado aos poucos da cabeça de veado para o nosso lado, primeiro inseguro, tímido, vacilante, depois ganancioso e ávido, até um tanto cruel, e recaía sobre nós com uma mistura de todos esses sentimentos.

Professor, o homem finalmente se levantou e veio em nossa direção arrastando a espada como se fosse uma bengala, mancava. A iluminação do restaurante era fraca, mas dava para enxergar seu rosto. Suas feições e músculos faciais produziam, em conjunto, uma expressão complexa, difícil de descrever com palavras precisas. Não sabia dizer, naquele momento, se ele fixava os olhos em mim ou na fumaça que saía da minha boca. Levantei-me apressado, a cadeira fez um barulho atrás de mim. Leoazinha também se levantou.
Ele parou bem na nossa frente e eu logo estendi a mão, fingindo surpresa: “Chen Nariz”. Ele não me deu conversa, muito menos apertou minha mão. Manteve uma distância respeitosa e fez uma reverência profunda. Depois, com as mãos apoiadas naquela espada enferrujada, disse num tom teatral: “Nobre senhora, estimado senhor, eu, cavaleiro Dom Quixote de la Mancha, apresento-vos meus respeitos. Sou um humilde servo ao vosso inteiro dispor”.
Deixe de brincadeira, Nariz”, eu disse, “que teatro é esse? Sou Wan Perna e esta aqui é Leoazinha…”
Prezado senhor, estimada senhora, para um cavaleiro leal, não há causa mais sagrada do que empunhar a espada para defender a paz e a justiça…”
Cara, pare com esse teatro.”
O mundo é um grande palco onde todo dia se encena o mesmo repertório. Senhor e senhora, se puderdes oferecer-me um dos cigarros em vossa mão, estou disposto a mostrar-vos a fantástica arte da esgrima.”
Passei-lhe um cigarro às pressas e acendi para ele, solícito. Ele deu uma longa tragada, a brasa na ponta reluziu e queimou rapidamente. Franziu os olhos, amontoando as rugas do rosto, depois pouco a pouco relaxou, dois grossos fios de fumaça saíram por suas largas narinas. Ver alguém desfrutar tanto de um cigarro me deixou surpreso e comovido. Apesar de ser fumante há muito tempo, meu vício não é dos mais fortes, por isso nunca senti o que esse homem experimentava diante de mim. Deu uma nova tragada, profunda, o tabaco logo se queimou quase todo. Esse tipo de cigarro luxuoso, muito espertamente, tem o filtro bem comprido. Isso, por um lado, reduz a quantidade de tabaco e, por outro, oferece algum consolo aos fumantes ricos que temem a morte, mas não conseguem largar o vício. Com apenas três tragadas ele já estava queimando o filtro do cigarro. Eu simplesmente lhe entreguei o maço todo. Olhou em volta encabulado, e, num movimento brusco, pegou o maço e o enfiou na manga. Esquecido da promessa de mostrar a maravilhosa arte da esgrima, correu para a entrada, mancando e arrastando a espada e uma das pernas. Ao passar pela porta, aproveitou para tirar uma baguete do cesto de vime.
Dom Quixote! Está pedindo coisas aos clientes de novo!” O pseudo-Sancho vinha em nossa direção com duas canecas espumantes de cerveja preta nas mãos, sua voz era direcionada a Chen Nariz. Lá atrás do vidro, vimos o coitado atravessar a praça arrastando a espada enferrujada e a perna inválida, sua longa sombra oscilando até desaparecer na escuridão. O cachorro, que parecia bem robusto, o seguia de perto. O homem ia todo acabrunhado, e o cachorro, todo altivo.
Que sujeito desagradável!”, disse o pseudo-Sancho meio se desculpando, meio se exibindo. “Ele sempre apronta dessas, é só virarmos as costas, uma vergonha. Em nome do patrão, peço-lhes desculpas. Mas acredito que dar uns cigarros e umas moedas a um cavaleiro abatido não deve aborrecê-los tanto.”
De modo algum, imagine…” Senti que não conseguiria me acostumar ao modo de falar desse garçom gordo. Não está atuando num filme, nem numa peça de teatro, para que falar com essa afetação. Perguntei: “Mas foram vocês que o contrataram?”.
Senhor, a bem da verdade”, respondeu o garçom, “no início do negócio, nosso patrão teve pena dele, desenhou esse figurino e pediu para nós dois ficarmos na entrada do restaurante e atrair clientes. Mas ele é cheio de problemas, bebe demais, fuma demais, e quando está atacado não presta para nada. Além de tudo, ainda anda colado com aquele cachorro sarnento. Também não dá a mínima para a higiene pessoal. Eu, por exemplo, tomo banho duas vezes por dia. Podemos não ter uma aparência agradável, mas pelo menos o cheiro do nosso corpo agrada os clientes. Faz parte da ética profissional de um garçom experiente. E aquele sujeito, a não ser quando pega uma chuva forte, nunca toma banho. O fedor chega a espantar os clientes. Além disso, ele mais de uma vez violou a proibição do nosso patrão: pedir coisas ou dinheiro dos clientes. Se eu fosse patrão, já tinha expulsado um malandro desses a pauladas, mas gente boa que é, nosso patrão deu várias chances na esperança de que ele melhorasse o comportamento. Só que um homem desses não vai mudar, como o cachorro não vai deixar de comer cocô. Nosso patrão deu dinheiro para ele não voltar mais, mas ele sempre volta depois de gastar tudo. Se eu fosse o patrão, chamava a polícia, mas o nosso patrão é um homem gentil e o tolera, ainda que possa prejudicar o negócio.” O garçom gordo baixou a voz: “Mais tarde, ouvi dizer que ele foi colega de turma do patrão. Mesmo assim, ele não precisava ser tão tolerante. Algum tempo depois, alguém finalmente reclamou do cheiro azedo do ‘Dom Quixote’ e das pulgas do cachorro sarnento. Nosso chefe pagou uma pessoa para levá-lo à força a uma casa de banho, onde lavaram minuciosamente o homem e o cachorro. Isso se tornou uma regra, banho forçado uma vez por mês. Mas o sujeito é ingrato. Todas as vezes, ele fica xingando mergulhado na água do banho: ‘Li Mão, seu filho da puta, você está arruinando a dignidade de um cavaleiro!’”.
Professor, naquele dia depois do jantar, Leoazinha e eu passeávamos melancólicos à beira do rio, caminhando em direção ao nosso novo apartamento. O reencontro com Chen Nariz fez surgir em nosso coração todo tipo de sentimento. Como é angustiante olhar para o passado. Em algumas décadas, tudo está completamente transformado, surgiram tantas coisas com as quais nem sequer sonhamos, e outros tantos assuntos seríssimos, de vida ou morte, viraram piada. Não trocamos palavra, mas é muito provável que pensássemos a mesma coisa.
Professor, a segunda vez que o vi foi no hospital da zona de desenvolvimento. Estavam conosco Li Mão e Wang Fígado. Ele tinha sido atropelado por um carro de polícia. Segundo o policial que dirigia, e conforme atestaram testemunhas oculares, a viatura seguia normalmente pela estrada quando, do nada, Nariz se jogou na frente do veículo. Foi simplesmente uma tentativa de suicídio. O cachorro o seguiu e também entrou na frente. O carro bateu em Nariz e ele voou para o arbusto à beira da estrada, o cachorro foi esmagado sob as rodas. Nariz teve fraturas múltiplas nas duas pernas, machucou também o braço e a lombar, mas não correu risco de morte. Já o cachorro ofereceu a própria vida, sacrificou-se pelo seu amo.
Foi Li Mão que nos avisou do acidente de Chen Nariz. Segundo Mão, o policial de fato não teve culpa, mas considerando a condição de Nariz e o fato de ele acionar todos os seus contatos, a polícia concordou em pagar dez mil iuanes de indenização. A quantia obviamente não era suficiente para uma lesão tão grave. Entendi que Li Mão tinha chamado nosso grupo de velhos colegas de turma para visitá-lo no hospital com o propósito fundamental de captar recursos para pagar as despesas médicas de Nariz.
Ele ficou numa enfermaria grande, com vinte leitos, o dele era o número 9, perto da janela. Era início de maio, na frente da janela um pé de magnólia roxa em plena florada exalava um aroma delicioso. Apesar do grande número de leitos, a enfermaria estava bem limpa e arrumada. Ainda que não se compare aos grandes hospitais de Pequim e Shanghai, este já era um enorme progresso em relação ao posto de saúde da comuna, duas décadas atrás. Professor, acompanhei minha mãe quando ela ficou uma semana internada no posto de saúde. Os leitos estavam cheios de piolhos, as paredes tinham manchas de sangue e fileiras de moscas. Ainda tremo só de lembrar. As duas pernas de Nariz estavam engessadas, o braço direito também, estava deitado de costas, só conseguia mexer o braço esquerdo.
Quando nos viu chegando, ele virou a cara para o outro lado.
Foi Wang Fígado que quebrou o gelo, fazendo graça: “Mas o que aconteceu, Grande Cavaleiro? Foi na luta contra os moinhos? Ou no duelo contra seu rival no amor?”.
Se não quiser continuar vivendo, basta me avisar, para que se jogar na frente de um carro de polícia?”, brincou Li Mão.
Mas que ótimo ator! No papel de cavaleiro, nem fala mais conosco”, disse Leoazinha. “É tudo culpa de Mão, que deixou você amalucado.”
Como assim amalucado?”, perguntou Li Mão. “Ele é o príncipe da maluquice fingida.”
De repente, ele começou a chorar amargamente. A cabeça virada ficou mais baixa, seus ombros se contraíam, a mão esquerda, que ainda conseguia mexer, arranhava a parede.
Uma enfermeira magra e alta entrou com passos rápidos, escaneou cada um de nós com um olhar gelado, deu uns tapinhas na cabeceira de ferro da cama e disse: “Número 9, pare com isso”.
Ele parou de chorar imediatamente, desentortou a cabeça e fixou em nós seu olhar turvo.
A enfermeira esguia apontou para o buquê que deixamos na mesa de cabeceira, franziu o nariz com desdém e ordenou: “Segundo as regras deste hospital, não é permitido entrar com flores na enfermaria”.
Mas que regra é essa?”, questionou Leoazinha, descontente. “Nem os grandes hospitais de Pequim têm essa regra!”
A enfermeira esguia nem se deu ao trabalho de discutir com Leoazinha e disse para Chen Nariz: “Fale para sua família pagar a conta, hoje é o último dia”.
Mas que tom é esse?”, falei, indignado.
A enfermeira franziu os lábios e disse: “É o tom do trabalho”.
Vocês ainda têm algum espírito humanitário?”, perguntou Wang Fígado.
Só estou transmitindo a mensagem”, disse a enfermeira. “Vocês, com o espírito humanitário, podem pagar a conta por ele, acredito que o diretor do nosso hospital dará a cada um de vocês uma medalha com os dizeres: EXEMPLO DE HUMANISMO.”
Fígado ainda queria discutir, Mão o deteve.
A enfermeira saiu, mal-humorada.
Olhamo-nos, cada qual com seu pensamento. Com a gravidade da lesão de Chen Nariz, as despesas médicas deviam chegar a uma cifra assombrosa.
Por que me colocaram aqui?”, Nariz se queixou. “Mesmo que eu morra, é da conta de vocês? Se não me tivessem colocado neste lugar, eu já estaria morto e não precisaria mais sofrer deitado aqui.”
Não fomos nós que te salvamos”, disse Fígado, “foi o policial que te atropelou que chamou a ambulância.”
Se não foram vocês que me trouxeram para cá”, disse ele com frieza, “então o que estão fazendo aqui? Vieram ter pena de mim? Vieram prestar solidariedade? Não preciso. Podem sair agora e levem essas flores tóxicas. O cheiro está me dando dor de cabeça. Querem me ajudar com as despesas médicas? Não precisa de jeito nenhum. Sou um cavaleiro digno, amigo próximo do rei e amante da rainha, essa merreca de despesa médica será paga naturalmente pelos cofres do Estado. Mesmo que os reis não paguem minha conta, não preciso de suas esmolas. Minhas filhas são duas fadas lindas, bem afortunadas, se não se tornarem primeiras-damas, podem se casar com a família real. O dinheiro que elas deixam escapar por entre os dedos dá para comprar este hospital!”
Professor, é claro que entendemos o que Chen Nariz queria dizer com esses delírios. Ele com certeza estava se fazendo passar por maluco, apesar de sua mente estar clara como um espelho d’água. Mas uma vez acostumada a esse fingimento, com o tempo a pessoa pode ficar meio biruta mesmo. Quando viemos visitá-lo no hospital com Li Mão, na verdade estávamos apreensivos. Não há problema algum em levar flores, dizer palavras de consolo ou até doar algumas dezenas de iuanes. Mas nos fazer arcar com as enormes despesas médicas na verdade seria meio… porque, afinal de contas, Chen Nariz é praticamente ninguém para nós e ainda se encontra num estado desses, se estivesse um pouco mais normal… Em suma, professor, embora não nos falte o senso de justiça e a compaixão, no final ainda somos pessoas mundanas e não tão nobres e generosas a ponto de ajudar uma aberração social. Por isso, o disparate de Nariz nos ofereceu uma desculpa. Ficamos olhando para Li Mão, que nos tinha convocado. Ele coçou a cabeça e disse: “Nariz, descanse bem. Já que foi uma viatura da polícia que te atropelou, eles é que devem se responsabilizar por tudo. Se isso não acontecer, vamos tentar achar outro jeito…”.
Saiam daqui!”, disse Nariz. “Se meus braços conseguissem levantar a lança, eu bateria nessas suas cabeças ignorantes.”
Se não saíssemos agora, teríamos algum outro momento mais oportuno? Quando estávamos prontos para sair abraçados àqueles buquês de flores pulverizadas com aromatizante de qualidade inferior, a enfermeira alta e magra entrou na enfermaria acompanhada de um homem de jaleco branco. A enfermeira apresentou o homem: era o vice-diretor financeiro do hospital. Também nos apresentou ao vice-diretor, dizendo que éramos parentes do leito número 9. Sem rodeios, o vice-diretor mostrou uma conta, segundo a qual a soma das despesas com o salvamento e os cuidados médicos já passava de vinte mil iuanes. Ele salientou, repetidamente, que o preço contabilizava apenas os custos básicos. A cifra seria muito mais alta se o cálculo fosse feito como de praxe. Enquanto isso, Chen Nariz não parava de gritar, irritado: “Saiam daqui, seus aproveitadores, agiotas, vermes de defunto, não conheço vocês de lugar nenhum”. Ele brandia o braço que ainda conseguia mexer, batia na parede, tateou até pegar uma garrafa na mesa de cabeceira e jogou-a no leito da frente, acertou o velho moribundo que tomava soro. “Saiam daqui, minha filha é dona deste hospital, vocês são todos empregados dela. Uma palavra minha pode fazer vocês perderem o emprego…”
No auge da discussão, professor, entrou na enfermaria uma mulher de vestido preto e véu negro. O senhor já deve saber quem era. Sim, era Chen Sobrancelha, a caçula de Nariz que sobreviveu ao incêndio na fábrica de brinquedos com o rosto desfigurado.
Ela entrou como uma aparição, flutuando enfermaria adentro. O vestido e o véu pretos traziam uma sensação de mistério, e também um calafrio sinistro, algo infernal. A bagunça parou de imediato, parecia que tinham desligado a energia de uma máquina ruidosa. Até o ar quente e abafado esfriou. Na árvore de magnólia à frente da janela, um pássaro cantava com ternura.
Não conseguimos ver o rosto dela, nem mesmo um só pedaço de pele do seu corpo. O que podíamos ver era sua alta estatura, os membros longos e delgados, um corpo de modelo. Naturalmente sabíamos que era Sobrancelha. Claro que Leoazinha e eu relembramos aquele bebê de colo de mais de duas décadas atrás. Ela acenou para nós e disse ao vice-diretor do hospital: “Sou a filha dele, vim pagar as suas dívidas!”.
Professor, tenho um amigo especialista do Instituto de Queimaduras do Hospital 304 em Pequim, um acadêmico prestigiado. Segundo ele, para um paciente com queimaduras, é mais difícil suportar a dor psicológica do que a dor física. Quando veem no espelho pela primeira vez seu rosto desfigurado, o forte choque e a enorme angústia são insuportáveis. Essas pessoas precisam de muita coragem para continuar vivendo.
Professor, o homem é um produto das circunstâncias. Em determinados contextos, um covarde pode se tornar valente, um bandido pode fazer boas ações, mesmo o mais pão-duro pode gastar fortunas sem piscar. A presença de Sobrancelha e sua coragem de assumir a responsabilidade nos deixaram envergonhados. Essa vergonha virou um senso de decência. E com o senso de decência, veio um arroubo de generosidade. Primeiro foi Li Mão que falou, e depois nós: “Sobrancelha, querida sobrinha, podemos arcar com a conta de seu pai”.
A moça respondeu friamente: “Obrigada pela bondade, mas já estamos devendo muito a outros, não podemos contrair mais dívidas”.
Chen Nariz gritou: “Fora daqui, seu demônio de véu preto, como se atreve a fingir que é minha filha? As minhas filhas, uma estuda na Espanha, namora um príncipe e logo vai tratar do casamento; a outra está na Itália, comprou o vinhedo mais antigo da Europa, de onde sai o melhor vinho, encheu um navio de dez mil toneladas que está a caminho da China…”.

Mo Yan, em As rãs

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