Meses
mais tarde, meu pai morreu.
Expirou
uma tarde, em casa, sentado em sua poltrona de rodas, enquanto eu
contava um filme mexicano. Acho que foi justo nos instantes em que me
ouvia interpretar Ela, o mais belo tema de José Alfredo
Jiménez.
Eu
não tinha como saber que aquela canção fazia que ele recordasse a
traição de minha mãe.
Me
cansei de rogar,
Me
cansei de dizer
Que
sem ela eu
De
pena morro.
E
não quis me escutar,
E
se seus lábios se abriram
Foi
só para me dizer: “Já não te amo”.
E
lá ficou ele, sentadinho direitinho em sua poltrona, com sua manta
boliviana cobrindo suas pernas inúteis; ficou com os olhos abertos,
agarrado em sua caneca de vinho tinto. Nós só percebemos sua morte
no final da minha narração, quando não irrompeu em aplausos como
era seu costume.
O
praticante do povoado falou em enfarte.
Além
da dor de ficarmos sozinhos no mundo, havia o problema da casa: meus
irmãos e eu íamos ficar sem ter onde morar. Depois do acidente, a
companhia tinha deixado meu pai continuar usando a casa por causa de
sua impecável folha de vida laboral. Em todos aqueles anos de
trabalho jamais faltou, nem mesmo por doença. Trabalhava de segunda
a domingo, inclusive feriados, sem excluir Natal ou Ano Novo, e até
em dois turnos seguidos quando era necessário (essa era uma das
coisas de que minha mãe reclamava). Mas agora que ele não estava
mais e não havia nenhuma pessoa maior que respondesse pela família,
o normal é que tivéssemos que entregar a casa.
Por
sorte, Mariano, que faltava só alguns meses para completar dezoito
anos, conseguiu um trabalho de mensageiro. Por isso a companhia nos
deixou continuar morando na casa.
Muita
gente disse que tinha sido de pena do senhor administrador. Mas eu,
com meus treze anos feitos – e com um corpo que aparentava pelo
menos dezesseis –, percebia que não tinha sido de pena.
Percebi
pela maneira com que o gringo não deixou de me olhar no dia do
funeral de meu pai.
Hernán Rivera Letelier, em A Contadora de Filmes
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