sábado, 24 de agosto de 2024

A Contadora de Filmes | [33]


Meses mais tarde, meu pai morreu.
Expirou uma tarde, em casa, sentado em sua poltrona de rodas, enquanto eu contava um filme mexicano. Acho que foi justo nos instantes em que me ouvia interpretar Ela, o mais belo tema de José Alfredo Jiménez.
Eu não tinha como saber que aquela canção fazia que ele recordasse a traição de minha mãe.

Me cansei de rogar,
Me cansei de dizer
Que sem ela eu
De pena morro.
E não quis me escutar,
E se seus lábios se abriram
Foi só para me dizer: “Já não te amo”.

E lá ficou ele, sentadinho direitinho em sua poltrona, com sua manta boliviana cobrindo suas pernas inúteis; ficou com os olhos abertos, agarrado em sua caneca de vinho tinto. Nós só percebemos sua morte no final da minha narração, quando não irrompeu em aplausos como era seu costume.
O praticante do povoado falou em enfarte.
Além da dor de ficarmos sozinhos no mundo, havia o problema da casa: meus irmãos e eu íamos ficar sem ter onde morar. Depois do acidente, a companhia tinha deixado meu pai continuar usando a casa por causa de sua impecável folha de vida laboral. Em todos aqueles anos de trabalho jamais faltou, nem mesmo por doença. Trabalhava de segunda a domingo, inclusive feriados, sem excluir Natal ou Ano Novo, e até em dois turnos seguidos quando era necessário (essa era uma das coisas de que minha mãe reclamava). Mas agora que ele não estava mais e não havia nenhuma pessoa maior que respondesse pela família, o normal é que tivéssemos que entregar a casa.
Por sorte, Mariano, que faltava só alguns meses para completar dezoito anos, conseguiu um trabalho de mensageiro. Por isso a companhia nos deixou continuar morando na casa.
Muita gente disse que tinha sido de pena do senhor administrador. Mas eu, com meus treze anos feitos – e com um corpo que aparentava pelo menos dezesseis –, percebia que não tinha sido de pena.
Percebi pela maneira com que o gringo não deixou de me olhar no dia do funeral de meu pai.

Hernán Rivera Letelier, em A Contadora de Filmes

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