domingo, 11 de agosto de 2024

A Contadora de Filmes | [31]


Duas semanas mais tarde, na manhã de uma quinta-feira, dia de pagamento, acharam o agiota morto em sua guarita de vigilância. Estava jogado no chão de tábuas baldeadas com petróleo, com todas as carteiras de identidade espalhadas sobre seu cadáver. Tinha sido morto a golpes com o cabo de uma pá.
Os quatro guardas que formavam a guarnição do destacamento – todos gordos e frouxos de inatividade –, finalmente tiveram com que se distrair. Além de envenenar cachorros e percorrer as ruas com displicência, com as mãos entrelaçadas nas costas, o único trabalho que faziam era levar presos, cada fim de semana, dois ou três bebadinhos para que varressem o destacamento e limpassem a bunda dos cavalos.
Os primeiros suspeitos foram os donos dos documentos empenhados. Os guardas interrogaram cada um deles, em especial os maridos de um par de mulheres que para recuperar os documentos – todo mundo no povoado sabia disso – entravam de noite na casa do agiota. Mas todos se livraram de qualquer acusação.
Como o morto não tinha familiares conhecidos, passado um breve tempo os habitantes do acampamento se esqueceram do assunto, e ninguém se importou que seu assassinato ficasse sem se esclarecer. Pelo contrário, eram muitos os que não conseguiam dissimular a cara de contente, pois com sua morte a dívida de todos ficou anulada. Falava-se que até os guardas andavam com um sorriso de orelha a orelha. Eles também viviam enforcados pelos empréstimos de dom Nolasco.
Além disso, por aqueles dias anunciou-se no cinema Os dez mandamentos.
Ninguém falava de outra coisa.

Hernán Rivera Letelier, em A Contadora de Filmes

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