sábado, 29 de junho de 2024

Os Nascimentos | 1536 – Culiacán

Cabeza de Vaca

Oito anos passaram desde que naufragou Cabeza de Vaca na ilha do Mau Fado. Dos seiscentos homens que partiram da Andaluzia, uns quantos desertaram pelo caminho e muitos foram tragados pelo mar; outros morreram de fome, frio ou por causa dos índios, e quatro, apenas quatro, chegam agora a Culiacán.
Álvar Núñes Cabeza de Vaca, Alonso del Castillo, Andrés Dorantes y Estebanico, negro árabe, atravessaram, caminhando, toda a América, da Flórida até a costa do Pacífico. Nus, mudando de pele como as serpentes, comeram ervas pedreiras e raízes, minhocas e lagartixas e tudo que era vivo e que puderam encontrar, até que os índios lhes deram mantas e figos-da-índia e milho a troco de milagres e curas. A mais de um morto ressuscitou Cabeza de Vaca, rezando Pai-nossos e Aves-marias, e curou muitos debentes fazendo o sinal da cruz e soprando o lugar onde doía. De légua em légua, ia crescendo a fama dos milagreiros; multidões saíam para recebê-los nos caminhos e as aldeias se despediam deles com bailes e alegrias.
Em terras de Sinaloa, indo para o sul, apareceram as primeiras pegadas de cristãos. Cabeza de Vaca e seus companheiros encontraram fivelas, cravos de ferradura, estacas de atar cavalos. Também encontraram medo: cultivos abandonados, índios que fugiam para os montes.
Estamos perto – disse Cabeza de Vaca. – Depois de tanto caminhar, estamos perto de nossa gente.
Eles não são como vocês – disseram os índios. – Vocês vêm donde sai o sol, e eles, de onde o sol se põe. Vocês curam os doentes e eles matam os sadios. Vocês andam nus e descalços. Vocês não tem cobiça de coisa alguma.

Eduardo Galeano, em Os Nascimentos

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