Cabeza
de Vaca
Oito
anos passaram desde que naufragou Cabeza de Vaca na ilha do Mau Fado.
Dos seiscentos homens que partiram da Andaluzia, uns quantos
desertaram pelo caminho e muitos foram tragados pelo mar; outros
morreram de fome, frio ou por causa dos índios, e quatro, apenas
quatro, chegam agora a Culiacán.
Álvar
Núñes Cabeza de Vaca, Alonso del Castillo, Andrés Dorantes y
Estebanico, negro árabe, atravessaram, caminhando, toda a América,
da Flórida até a costa do Pacífico. Nus, mudando de pele como as
serpentes, comeram ervas pedreiras e raízes, minhocas e lagartixas e
tudo que era vivo e que puderam encontrar, até que os índios lhes
deram mantas e figos-da-índia e milho a troco de milagres e curas. A
mais de um morto ressuscitou Cabeza de Vaca, rezando Pai-nossos e
Aves-marias, e curou muitos debentes fazendo o sinal da cruz e
soprando o lugar onde doía. De légua em légua, ia crescendo a fama
dos milagreiros; multidões saíam para recebê-los nos caminhos e as
aldeias se despediam deles com bailes e alegrias.
Em
terras de Sinaloa, indo para o sul, apareceram as primeiras pegadas
de cristãos. Cabeza de Vaca e seus companheiros encontraram fivelas,
cravos de ferradura, estacas de atar cavalos. Também encontraram
medo: cultivos abandonados, índios que fugiam para os montes.
– Estamos
perto – disse Cabeza de Vaca. – Depois de tanto caminhar, estamos
perto de nossa gente.
– Eles
não são como vocês – disseram os índios. – Vocês vêm donde
sai o sol, e eles, de onde o sol se põe. Vocês curam os doentes e
eles matam os sadios. Vocês andam nus e descalços. Vocês não tem
cobiça de coisa alguma.
Eduardo Galeano, em Os Nascimentos
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