sexta-feira, 28 de junho de 2024

A Contadora de Filmes | [23]

Depois dessas sessões os aplausos ficavam ressoando em mim a noite toda, a ponto de eu não conseguir conciliar o sono. Em meus desvelos pensava em minha mãe, e chorava em silêncio debaixo das cobertas. Quando ela nos abandonou, do mesmo jeito que meu irmão começou a gaguejar eu me cobri de piolhos brancos. As vizinhas diziam que esse tipo de piolho aparecia quando a gente tinha alguma dor na alma. E como a dor era pela minha mãe, comecei a comer os piolhos de amor por ela.
Tanto assim eu amava minha mãe.
Tanto assim eu sentia falta dela.
Como ela se sentiria orgulhosa agora, eu dizia a mim mesma, se visse como as pessoas me ouvem e me aplaudem!
Será que a aplaudem tanto como a mim, depois de suas danças? Será que ela mudou seu nome por outro, mais artístico? Será que continua usando aqueles lenços de seda, tão bonitos? Sufocando-me debaixo das cobertas, eu a imaginava dançando seminua, num palco enfeitado com luzes coloridas que acendiam e apagavam. É que num daqueles dias eu tinha ficado sabendo, por algumas mulheres na fila do pão, que minha mãe havia ido embora para ser dançarina num teatro de revista.
Diziam que “a cabeça oca da Magnólia” tinha sido embromada pelo diretor de uma companhia picaresca que passou pela Mina, e levou-a para a capital com a promessa de transformá-la em vedete. O que não entendi direito foi o que uma delas disse, piscando para as outras: que vários viúvos tinham ficado chorando a sua fuga, e que o mais triste de todos era o senhor administrador.
Minha mãe tinha vinte e seis anos quando foi embora. E apesar de ter tido cinco filhos em cinco anos seguidos (o primeiro ela teve aos catorze) conservava um porte invejável. Disso eu me lembro perfeitamente porque várias vezes, quando estávamos as duas sozinhas em casa, eu a vi dançar com roupa íntima na frente do espelho.
No entanto, seu rosto ia se desvanecendo em mim, ia se apagando como o de uma atriz que tinha parado de fazer filmes há muito tempo. Outra coisa que me acontecia era que, de tanto ver e contar filmes, muitas vezes eu os embaralhava com a realidade. E me custava lembrar se determinada coisa eu tinha vivido ou visto projetada na tela. Ou se havia sonhado. Porque acontecia que até meus próprios sonhos eu confundia depois com cenas de filmes.
A mesma coisa acontecia com as lembranças mais lindas da minha mãe. As imagens dos poucos momentos felizes vividos com ela iam se desvanecendo na minha memória, inapelavelmente, como cenas de um filme velho.
Um filme em branco e preto.
E mudo.

Hernán Rivera Letelier, em A Contadora de Filmes

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