segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

A Contadora de Filmes | [9]



Meu pai sempre dizia, quando falava do sortilégio dos nomes com eme, que esse era o segredo dos maiores artistas de cinema. Se não, bastava olhar para Norma Jean: não passava de uma empregadinha de loja até se rebatizar como Marilyn Monroe. Ou, se preferissem o exemplo ao contrário, aí estava Cantinflas, o maior dos cômicos do cinema hispânico, e que tinha triunfado graças a se chamar na vida real Mario Moreno. Era simples assim. Não acredita? Meu pai fazia uma pausa, olhava para o interlocutor como o verdugo olharia para o condenado antes do golpe, e acrescentava aquilo que uma vez tinha ouvido por aí e que para ele vinha a ser a confirmação indesmentível de sua teoria, uma espécie de machadada mortal.
A senhorita sabia, paisaninha” – dizia ele, saboreando as palavras – “que no começo, quando era apenas um artista de circo, Mario Moreno atuava fazendo dupla com um cômico que se chamava Manuel Medel?”
Agora chego a acreditar que gostava mais de Marilyn Monroe pelos emes de seu nome que por qualquer outra coisa. Ele sempre quis ter uma “filha mulher” para batizar desse jeito. Minha mãe dizia que nem morta. Ela garantia detestar “essa loura oxigenada que nem sabe trabalhar direito nos filmes”. E, no entanto, era a atriz que ela imitava ao caminhar. E quando, pouco antes de nos abandonar, ouviu a notícia da sua morte, chorou a noite inteira, inconsolavelmente.
Como em casa, para decepção de meu pai, começou a nascer um homem atrás de outro, não houve maiores problemas na hora de escolher os nomes, a não ser quando chegou o quarto filho. Foi quando ele não aguentou mais e quis batizá-lo como Marilyno.
Minha mãe se opôs com uma faca de cozinha na mão.
A grande guerra, porém, foi quando eu nasci. Diziam que meu pai flutuava de alegria quando soube que enfim tinha nascido uma princesinha. Agora sim, ele ia ter uma Marilyn em casa. Mas minha mãe se negou e até ameaçou com divórcio. No fim meu pai se conformou com o par de emes, e passei a me chamar Maria Margarita, um nome que, para dizer a verdade, jamais gostei muito: me soava a mansidão, a conformismo, a mãe submissa.
E eu queria ser outra coisa na vida.
Não sabia o quê, mas outra coisa.
Nisso eu me parecia com a minha mãe. Ela nunca estava conformada com nada, andava sempre mudando o penteado, provando maquiagens novas, ensaiando beicinhos e poses na frente do espelho, repetindo uma coisa que a menina que eu era naquele tempo mal atinava a entender:
Por que se conformar com ser vaga-lume, digo eu, podendo ser estrela?”
E se requebrava feito louca na frente do espelho.
Por isso, quando me tornei conhecida como contadora de filmes, procurei um nome mais de acordo com a minha arte. Mas continuo adiantando a história.
Paciência, essa parte vem depois.

Hernán Rivera Letelier, in A Contadora de Filmes

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