quarta-feira, 30 de agosto de 2023

Cartas na Rua | DOIS

7

Então comecei a chegar em casa infeliz.
Qual é o problema, Hank?
Eu tinha de beber toda noite.
É o gerente, o Freddy. Ele começou a assobiar uma música. Ele a assobia quando eu chego de manhã e não para nunca, e continua a assobiá-la até a hora de eu ir para casa à noite. Há duas semanas está nessa!
Qual é o nome da música?
Around the World in Eighty Days. Nunca gostei dessa música.
Bem, arranje outro emprego.
Farei isso.
Mas continue trabalhando lá até arranjar outro. Precisamos provar para eles que...
Tudo bem. Tudo bem!

8

Certa tarde, encontrei um velho bêbado na rua. Eu o conhecia dos tempos de Betty quando fazíamos as rondas dos bares. Ele me disse que agora era um atendente nos Correios e que não havia nada como aquele emprego.
Era uma das mentiras mais gordas do século. Tenho procurado esse cara há anos, mas temo que outra pessoa o tenha alcançado primeiro.
De modo que lá estava eu fazendo mais uma vez o exame para o serviço civil. A diferença é que desta vez, no formulário, marquei “atendente” e não “carteiro”.
Ao receber a notificação de que deveria me apresentar para as cerimônias de admissão, Freddy havia parado de assobiar Around the World in Eighty Days, mas eu estava ansioso para pegar aquele empreguinho frouxo que o “Tio Sam” me oferecia.
Eu disse a Freddy:
Tenho um pequeno negócio para resolver e pode ser que leve uma hora, uma hora e meia no almoço.
Beleza, Hank.
Mal sabia eu como seria longo aquele almoço.

9

Formávamos um bando de gente por lá. Uns 150 ou 200. Havia uma porção de papéis tediosos a preencher. Depois disso, ficamos todos de pé de frente para a bandeira. O sujeito encarregado do juramento era o mesmo da vez anterior.
Após o juramento, o cara nos disse:
Muito bem, agora vocês têm um bom emprego. Não se metam em confusão e terão segurança para o resto de suas vidas.
Segurança? Isso é algo que você pode conseguir na cadeia. Três metros quadrados, nada de aluguel a pagar, nenhum bem de consumo, imposto de renda, criança para sustentar. Nenhuma taxa de licenciamento de carro. Nenhuma multa. Nenhuma detenção por dirigir bêbado. Nenhuma perda nas corridas de cavalo. Assistência médica gratuita. Camaradagem com aquelas pessoas com os mesmos interesses. Igreja. Enterro grátis.
Aproximadamente doze anos mais tarde, desses 150 ou 200, restariam apenas dois de nós. Assim como alguns caras não podem ser motoristas de táxi, cafetões ou traficantes, a maioria dos caras, e das garotas também, não podia ser atendente dos Correios. E eu não os culpo. Com o passar dos anos, vi como entravam continuamente em esquadrões de 150 ou 200 e só dois, três ou quatro restavam de cada grupo — apenas o suficiente para substituir aqueles que se aposentavam.

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O guia nos levou para conhecer o prédio todo. Havia tantos de nós que tiveram que nos separar em grupos. Pegávamos o elevador por turmas. Nos mostraram a cafeteria dos funcionários, o porão, todas aquelas cretinices.
Deus Todo-Poderoso, pensei, queria que esse cara se apressasse só um pouco. Meu horário de almoço já acabou há duas horas.
Então o guia entregou um cartão-ponto a cada um de nós. E nos mostrou onde ficava o relógio.
Agora prestem atenção. É assim que vocês devem bater o ponto.
Ele nos mostrou como fazer. Depois disse:
Vamos, é a vez de vocês.
Doze horas e meia mais tarde nós o bateríamos de novo. Foi uma senhora cerimônia de iniciação.

Charles Bukowski, in Cartas na Rua

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