Jon
entrou em ação. Fizeram cópias do argumento, enviaram a
produtores, agentes, atores. Voltei a mexer com o poema. Também
produzi um novo sistema para o hipódromo. Isso era importante para
mim, porque me permitia esquecer que devia ser um escritor. Escrever
era estranho. Eu precisava escrever, era como uma doença, uma droga,
uma forte compulsão, mas não me agradava pensar em mim mesmo como
um escritor. Talvez tivesse conhecido escritores demais. Eles levavam
mais tempo falando mal uns dos outros do que fazendo seu trabalho.
Eram nervosos, fofoqueiros, velhas solteironas; viviam se lamentando,
dando facadas, inchados de vaidade. Eram esses os nossos criadores?
Sempre fora assim? Provavelmente sim. Talvez escrever fosse uma forma
de lamento. Alguns simplesmente se lamentavam melhor que os outros.
De
qualquer modo, o argumento circulou e não houve ofertas. Alguns
disseram que era interessante, mas a principal queixa era de que não
havia público para aquele tipo de filme. Tudo bem mostrar como uma
pessoa outrora grande ou incomum era destruída pela bebida. Mas
concentrar-se apenas num vagabundo bebendo ou num bando de vagabundos
bebendo não fazia muito sentido. Quem estava ligando? Quem ligava
para como eles viviam ou morriam?
Mas
eu recebi um telefonema de Jon:
– Escuta,
Mack Austin pegou o argumento e gostou. Quer dirigir, e quer o mesmo
cara que eu no papel principal.
– Quem?
– Tom
Pell.
– É,
ele faria um bom bêbado...
– Pell
está maluco pelo argumento. É maluco por sua obra, leu tudo que
você escreveu. Está tão maluco pelo argumento que diz que trabalha
nele por um dólar.
– Nossa...
– Só
insiste que Mack Austin dirija. Eu não gosto desse Mack Austin. É
meu inimigo.
– Por
quê?
– Oh,
a gente teve uns problemas.
– Por
que não se beijam e fazem as pazes?
– NUNCA!
MACK AUSTIN JAMAIS DIRIGIRÁ O MEU FILME!
– Tudo
bem, Jon, vamos esquecer isso.
– Não,
espere, quero arrumar uma reunião em sua casa entre Mack Austin, Tom
Pell e eu. E você, é claro. Talvez você consiga fazer Tom Pell
mudar de ideia e fazer o filme sem Austin. Ele é um grande ator,
você sabe.
– Eu
sei. Então convide eles. Ele vai trazer Ramona?
– Não.
Tom
se casara com Ramona, famosa cantora pop.
– Bem,
quando será melhor?
– Eles
concordaram amanhã à noite, às oito e meia, se estiver bem pra
você.
– Você
joga rápido.
– Neste
jogo, a gente joga rápido ou morre.
– Não
é como xadrez?
– É
mais como gamão entre idiotas.
– Um
dos idiotas vence?
– E
um perde.
Descobri
um pouco mais sobre o caso entre Jon Pinchot e Mack Austin. Embora
Jon tivesse feito a maior parte de seus filmes na Europa, e os filmes
de Austin fossem americanos, a turma do cinema frequentava os mesmos
lugares em Hollywood. Jon e Mack Austin comiam no mesmo restaurante
da moda. Não sei bem ao certo quem estava bebendo e quem não, mas
parece que se iniciou uma discussão entre os dois diretores em mesas
não muito próximas. Papo do ofício, vocês sabem. Técnica.
Origens. Formação. Perspectiva. Etc.
A
coisa prosseguia entre as mesas, diante de uma boa plateia de gente
da “indústria”.
Finalmente,
Mack levantou-se e gritou para Jon:
– VOCÊ
SE INTITULA DIRETOR? NÃO PODE DIRIGIR NEM O TRÂNSITO!
Bem,
eu não sei. Dirigir o trânsito é um serviço que exige grande
habilidade.
De
qualquer modo, outras pessoas haviam antes acusado Mack em público
de não poder dirigir nem o trânsito. Agora ele passava adiante o
cumprimento. Vale tudo em ódio e em Hollywood.
Mais
tarde eu soube de outras histórias semidocumentadas de choques entre
Mack e Jon.
De
qualquer modo, a reunião se realizava...
INTERIOR.
CASA DO ESCRITOR. 20:15.
Jon
chegara um pouco adiantado.
– Espere
só até ver Austin – disse. – Largou as drogas e o álcool.
Parece um pneu furado, uma meia vazia...
– Eu
acho sensacional – disse Sarah – que ele tenha se livrado. É
preciso coragem.
– Legal
– disse Jon.
Eles
chegaram lá pelas 20:35. Tom de blusão de couro. Mack numa jaqueta
de couro de bezerro com franjas. Usava uma meia dúzia de correntes
de ouro. Acabadas as apresentações, servi vinho a Tom. Ele se
abancou à mesa do café.
Tom
começou.
– Eu
vi o argumento. Adoro. Quero enfiar meus bicúspides naquela porra.
Já sinto o gosto. É o tipo de papel que eu gosto.
– Obrigado,
meu chapa. A sua foi a única mordida que recebemos.
– Tom
e eu temos até um investidor. Estamos prontos pra rolar – disse
Mack.
– Tem
certeza de que não quer um drinque, Mack? – perguntei.
– Não,
obrigado.
– Vou
pegar um refrigerante pra você – disse Sarah. – Ou prefere chá?
– Um
refrigerante está ótimo.
Sarah
foi buscar algo para deixar Mack à vontade. Nós tínhamos
refrigerantes naturais. Os melhores.
Tomei
minha bebida de vez, servi outra. Começava a sentir uma certa
futilidade em todo tipo de acerto ou acordo.
– Eu
preciso de Mack como diretor. Conheço o trabalho dele. Confio nele –
disse Tom.
– Não
confia em mim? – perguntou Jon.
– Não
é isso. É que eu sinto que posso trabalhar mais intimamente com
Mack.
– Eu
sou o único que vou dirigir este filme – disse Jon.
– Escuta
– disse Tom. – Sei que este filme significa muito pra você. A
gente pode criar uma posição pra você. Será bem pago e poderá
exercer bastante controle. Por favor, aceite. Eu quero ver essa coisa
rolando. Por favor, tente entender.
Sarah
voltava com o refrigerante de Mack.
– Eu
sei que posso trabalhar bem com Tom – disse Mack.
– Você
não pode... – começou Jon.
– ...dirigir
nem o trânsito – concluiu Mack.
A
discussão prosseguiu interminável. Horas. Sarah, Jon e eu
continuamos bebendo. Tom também. E Mack traçando os refrigerantes
naturais.
– Vocês
são todos cabeçudos – disse Sarah. – Certamente a gente pode
chegar a algum acordo.
Mas
tudo continuava exatamente como no início. Ninguém cedia. E eu não
tinha ideias. Não podia romper o impasse.
Começamos
até mesmo a falar de outras coisas. Trocamos várias histórias
engraçadas. A bebida rolava.
Lá
para o fim, não me lembro quem contava a história, mas chegou a
Mack Austin. E o atingiu em cheio, com refrigerantes naturais e tudo.
Ele caiu para trás, gargalhando aos berros. As correntes de ouro
saltavam.
Depois
ele se recompôs.
Logo
em seguida, já era hora de nos separarmos. Tom e Mack precisavam
sair. Nos despedimos. Depois que o carro deles desceu de ré a
estradinha de acesso à casa, Jon me olhou:
– Você
ouviu aquela risada falsa? Viu como as porras daquelas correntes de
ouro saltavam no pescoço dele? De que estava rindo? Você viu
aquelas porras daquelas correntes de ouro?
– É,
vi, sim – eu disse.
– Ele
estava nervoso – disse Sarah. – Era o único que não estava
bebendo. Já estiveram numa sala cheia de bêbados quando não estão
bebendo?
– Não
– eu disse.
– Escuta
– me disse Jon. – Posso usar o telefone?
– Claro...
– Preciso
ligar pra Paris! Já!
– Quê?
– Não
se preocupe. Ligo a cobrar. Quero falar com meu advogado. Sobre uma
cláusula adicional em meu testamento...
– Vá
em frente.
Jon
foi ao telefone e começou a fazer os arranjos para uma ligação. Eu
me aproximei e reabasteci os copos deles. Depois voltei.
– É
terrível – disse Sarah. – Lá se vai o filme.
– Bem,
quase alguma coisa já é melhor do que nada.
– É?
– Pensando
bem, não tenho tanta certeza...
Jon
fez sua ligação. Tomara mais que alguns drinques e estava excitado.
Nós o ouvíamos facilmente.
– PAUL!
É, É JON PINCHOT! É, É URGENTE! QUERO UM ADITIVO EM MEU
TESTAMENTO! ESTÁ PRONTO? SIM, EU ESPERO!
Olhou-nos.
– Isto
é muito importante...
Depois:
– É,
PAUL! TEM UM FILME AÍ. EU TENHO O CONTROLE. CHAMA-SE A DANÇA DE JIM
BEAM, ESCRITO POR HENRY CHINASKI! MUITO BEM. ANOTE O SEGUINTE! EM
CASO DE MINHA MORTE, ESTE FILME JAMAIS DEVERÁ SER DIRIGIDO POR MACK
AUSTIN! ESTE FILME PODE SER DIRIGIDO POR QUALQUER UM NA TERRA, EXCETO
MACK AUSTIN! PEGOU ISSO, PAUL? É, MUITO OBRIGADO, PAUL. SIM, ESTOU
BEM. COMO VAI SUA SAÚDE? TUDO BEM, QUALQUER UM, MENOS MACK AUSTIN!
MUITÍSSIMO OBRIGADO, PAUL! BOA NOITE! BOA NOITE!
Depois
disso, tomamos mais um grande gole juntos. E Jon tinha de ir embora.
Ele parou na porta.
– Você
ouviu aquela risada falsa? Viu aquelas correntes de ouro saltando?
– Vi,
Jon...
E
então ele se foi e a noite acabara. Fomos chamar os gatos. Tínhamos
cinco gatos e não podíamos dormir até recolher todos os cinco pra
dentro de casa.
Os
vizinhos nos ouviam a chamá-los tarde da noite ou no início da
madrugada. Tínhamos vizinhos bacanas. E os cinco gatos não tinham
porra de pressa nenhuma pra se recolher.
Charles Bukowski, in Hollywood
Nenhum comentário:
Postar um comentário