Dia
31 de dezembro de 2008
Não
é do melhor augúrio que o futuro presidente dos Estados Unidos
venha repetindo uma e outra vez, sem lhe tremer a voz, que manterá
com Israel a “relação especial” que liga os dois países, em
particular o apoio incondicional que a Casa Branca tem dispensado à
política repressiva (repressiva é dizer pouco) com que os
governantes (e por que não também os governados?) israelitas não
têm feito outra coisa senão martirizar por todos os modos e meios o
povo palestino. Se a Barack Obama não lhe repugna tomar o seu chá
com verdugos e criminosos de guerra, bom proveito lhe faça, mas não
conte com a aprovação da gente honesta. Outros presidentes colegas
seus o fizeram antes sem precisarem de outra justificação que a tal
“relação especial” com a qual se deu cobertura a quantas
ignomínias foram tramadas pelos dois países contra os direitos
nacionais dos palestinos.
Ao
longo da campanha eleitoral Barack Obama, fosse por vivência pessoal
ou por estratégia política, soube dar de si mesmo a imagem de um
pai extremoso. Isso me leva a sugerir-lhe que conte esta noite uma
história às suas filhas antes de adormecerem, a história de um
barco que transportava quatro toneladas de medicamentos para acudir à
terrível situação sanitária da população de Gaza e que esse
barco, Dignidade era o seu nome, foi destruído por um ataque de
forças navais israelitas sob o pretexto de que não tinha
autorização para atracar nas suas costas (julgava eu, afinal
ignorante, que as costas de Gaza eram palestinas…). E não se
surpreenda se uma das suas filhas, ou as duas em coro, lhe disserem:
“Não te canses, papá, já sabemos o que é uma relação
especial, chama-se cumplicidade no crime”.
José Saramago, in O caderno
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