Há
três dias eu estava em Lisboa.
Lá,
fevereiro é mês de esticar as meias de lã até os joelhos e
colocar os braços para fora da janela, tentando concluir se o casaco
pode ser curto ou se é melhor ser longo, tendo em vista meu
termômetro eternamente tropical. É mês para contar quanto tempo
falta para o frio se afastar, permitindo que os braços e as pernas
voltem a ver as ruas.
Mas
cai a noite em fevereiro e os cheiros são bons. O cheiro da sopa que
depois de tantos anos tornou-se bem-vinda, o cheiro do vinho tinto
que desde que se tornou permitido sempre foi tão bem-vindo e o
cheiro do cabelo da miúda, tão curiosamente bem-vinda, no beijo
roubado de boa-noite.
O
pouco que verdadeiramente aquece vem dele: braços seguros e xícaras
de chá. É frio demais e é bom por ser exatamente assim.
Há
dois dias estou em São Paulo.
Aqui,
fevereiro é mês no qual não se abre a gaveta das meias. Mês de
abrir a janela e olhar para o céu, tentando concluir se dá para
sair às 14h ou se é melhor esperar até o sol baixar às 16h. É
mês para se perguntar quando chegará uma trégua, um vento fresco,
uma chance de comer massa com molho branco.
Mas
a noite cai em fevereiro e os cheiros são bons. O cheiro da chuva de
verão, tão assustadora quanto bem-vinda, o cheiro do repelente de
mosquitos, que é cheiro de infância e de férias, cuja memória se
sobrepõe à dos insetos, tão pouco bem-vindos. O cheiro do suor no
pescoço das sobrinhas, da grande e da pequena, invariavelmente
bem-vindas.
O
pouco que refresca vem deles: meu pai se aproximando com copos de
cerveja, minha mãe se aproximando com estrelas de carambola. É
quente demais e é bom por ser exatamente assim.
Deve
ser isso que chamam de sorte.
Ruth Manus, in Um dia ainda vamos rir de tudo isso
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