quinta-feira, 26 de maio de 2022

Forrest Gump | 1

 


Vou dizer uma coisa: ser idiota não é nenhuma caixa de chocolates. As pessoas riem, perdem a paciência, são mesquinhas com você. Dizem que se deve ser atencioso com os deficientes, mas vou dizer uma coisa: nem sempre é assim. Mas não me queixo, porque acho que levei uma vida muito interessante, por assim dizer.
Tenho sido um idiota desde que nasci. Meu QI está próximo de 70, o que me define, segundo eles. É provável que eu seja quase um imbecil ou, talvez, um retardado, mas, pessoalmente, prefiro pensar em mim mesmo como um débil mental, ou algo assim — e não um idiota —, porque quando as pessoas pensam em idiota, é certo pensarem num daqueles idiotas mongoloides — aqueles que têm os olhos juntinhos como chineses, e babam à beça, e brincam com eles mesmos.
Bem, eu sou lento, disso não há dúvida, mas provavelmente sou mais inteligente do que as pessoas imaginam, porque o que se passa na minha mente é uma visão diferente da que veem. Por exemplo, posso pensar coisas muito bem, mas quando tento dizer ou escrever, elas saem como uma espécie de gelatina, ou coisa parecida. Vou mostrar o que quero dizer.
Outro dia, eu descia a rua e um homem trabalhava em seu quintal. Ele tinha um monte de arbustos para plantar e me disse “— Forrest, quer ganhar um dinheirinho?” — e eu disse — Ã-hã —, e então ele me pôs para remover a sujeira. Foram uns dez ou doze carrinhos de sujeira, na hora mais quente do dia, transportando a torto e a direito. Quando acabei, ele tirou um dólar do bolso. Eu devia mesmo é ter ficado com muita raiva por causa do baixo pagamento, mas em vez disso, peguei o maldito dólar e tudo que disse foi “obrigado”, ou algo pateta parecido e continuei a descer a rua, enrolando e desenrolando o dólar na mão, me sentindo um idiota.
Percebem o que quero dizer?
Mas eu sei alguma coisa sobre idiotas. Provavelmente é a única coisa que sei, mas li sobre eles — desde o idiota daquele cara Dochtoévski, até o bobo do Rei Lear, o idiota de Faulkner, Benjie, e até mesmo o velho Boo Radley em To kill a mockingbird — ele era um idiota sério. No entanto, o que mais gosto é do velho Lennie, em Ratos e homens. A maioria desses caras escritores contam direito — porque seus idiotas são sempre mais espertos do que as pessoas reconhecem. Poxa, como concordo com isso. Qualquer idiota concordaria. Hi, hi.
Quando nasci, minha mãe me deu o nome de Forrest por causa do general Nathan Bedford Forrest, que lutou na Guerra Civil. Mamãe sempre dizia que, de alguma maneira, éramos um pouco parentes do general Forrest. E ele foi um grande homem, ela dizia, exceto quando fundou a Ku Klux Klan depois que a guerra acabou. Até minha avó dizia que era um bando de gente ruim. Com o que até posso concordar, porque aqui, o Grão-Mestre Bispo, ou seja lá como chama a si mesmo, tem uma loja de armas na cidade e, certa vez, quando eu tinha uns doze anos, passava por lá e olhei a vitrina, e ele tava pegando, lá dentro, uma corda grande usada por carrascos pra enforcar. Quando me viu, botou ela em volta do próprio pescoço, e puxou pra cima, como se estivesse se enforcando, e pôs a língua pra fora, tudo isso só pra me assustar. Eu saí correndo e me escondi atrás de uns carros no estacionamento, até alguém chamar a polícia, eles virem e me levarem pra casa, pra mamãe. Por isso, o que quer que o general Forrest tenha feito, fundar essa tal de Klan não foi uma boa ideia — qualquer idiota diria a mesma coisa. Apesar disso, foi assim que ganhei meu nome.
Minha mãe é uma pessoa boa de verdade. Todo mundo diz isso. Meu pai morreu logo depois que eu nasci, por isso nunca conheci ele. Ele trabalhava no cais como estivador e, um dia, um guindaste levantava uma rede com um grande carregamento de bananas num dos navios da United Fruit Company, e alguma coisa quebrou e as bananas despencaram e esmagaram ele, deixando ele chato como uma panqueca. Certa vez ouvi uns homens falando do acidente — diziam que foi uma confusão danada, meia tonelada de bananas e meu pai esborrachado embaixo. Não ligo muito pra bananas, a não ser pra pudim de bananas. Disso eu gosto mesmo.
Minha mãe recebeu uma pequena pensão do pessoal da United Fruit e aceitou hóspedes em nossa casa, o que deu pra gente se virar. Quando eu era pequeno, ela me mantinha quase sempre dentro de casa, pra que os outros meninos não me incomodassem. Nas tardes de verão, quando estava muito quente mesmo, ela costumava me colocar lá embaixo, na sala de visitas, e fechava as venezianas, de modo que ficava escuro e fresco, e me preparava um jarro de refresco de lima. Depois ficava ali conversando comigo, só conversando, sem falar sobre nada em particular, como alguém falaria com um cachorro ou um gato, mas eu me acostumei e gostava disso porque sua voz fazia eu me sentir seguro e bem.
No começo, quando eu tava crescendo, ela deixava eu sair e brincar com todo mundo, mas então ela descobriu que eles implicavam comigo, e um dia um dos garotos bateu em minhas costas com uma vara, enquanto eles me perseguiam, e a coisa foi aumentando e virou uma surra de dar medo. Depois disso, ela me disse pra nunca mais brincar com aqueles garotos. Tentei brincar com as garotas, mas não era muito melhor, porque elas corriam de mim.

Mamãe achou que seria bom eu ir pra escola pública porque talvez isso ajudasse a eu ser como todo mundo, mas depois de pouco tempo procuraram a mamãe e disseram que eu não devia estar ali como todo mundo. Mas deixaram eu terminar o primeiro ano. Às vezes, enquanto a professora falava, não sei o que se passava na minha cabeça, mas eu começava a olhar pra fora da janela, pros passarinhos, esquilos, e coisas que subiam e ficavam num grande carvalho, e, então, a professora vinha e reclamava comigo. Às vezes, acontecia uma coisa estranha comigo e eu começava a berrar, e então ela mandava eu sair e sentar no banco do corredor. As outras crianças nunca brincavam comigo, a não ser para me enxotar ou fazer com que eu gritasse pra que pudessem rir de mim — todas, menos Jenny Curran, que pelo menos não corria de mim e às vezes deixava eu ficar do lado dela quando a gente ia pra casa depois das aulas.
Mas, no ano seguinte, me botaram num outro tipo de escola e vou dizer uma coisa: era esquisita. Era como se eles saíssem por aí recolhendo tudo que é pessoa estranha e juntassem todas elas, incluindo as de minha idade e mais novas até rapazes grandes de dezesseis ou dezessete anos. Tinha retardos e espasmos de todo tipo e meninos que não conseguiam nem comer, nem ir ao banheiro sozinhos. Provavelmente eu era o melhor do bando.
Tinha um garoto grande e gordo. Ele devia ter mais ou menos uns quatorze anos, e sofria de uma coisa que fazia ele tremer todo como se estivesse na cadeira elétrica, ou algo assim. A srta. Margaret, nossa professora, mandou eu ir ao banheiro com ele, quando ele precisava ir, pra que ele não fizesse nada esquisito. Mas, de qualquer jeito, ele fez. Eu não sabia como fazer ele parar, por isso me tranquei num dos compartimentos e fiquei ali até ele acabar e, daí, levei ele de volta pra sala.

Fiquei nessa escola por cinco ou seis anos. Não era ruim de todo. Deixavam que a gente pintasse com os dedos e fizesse pequenas coisas, mas em geral, só ensinavam coisas como amarrar os sapatos e não babar a comida, nem ficar furioso, nem gritar e berrar e espalhar cocô em tudo. Quase não usavam livros — a não ser pra mostrar como interpretar os sinais de rua, e coisas como a diferença entre banheiros de Cavalheiros e de Senhoras. De qualquer modo, com todos aqueles malucos graves seria impossível transmitir qualquer coisa mais que isso. Além do mais, acho que a intenção era nos manter longe da raiva dos outros. Afinal, quem quer ver um bando de retardados andando à solta? Até eu podia entender isso.
Quando fiz treze anos, algumas coisas estranhas começaram a acontecer. Primeiro, comecei a crescer pra cima. Cresci quinze centímetros em seis meses, e minha mãe tinha de estar sempre encompridando minhas calças. Também comecei a crescer pro lado. Quando eu tinha dezesseis, media um metro e noventa e oito e pesava cento e vinte e um quilos. Eu sei por que me levaram e me pesaram. Eles disseram que simplesmente não conseguiam acreditar.
O que aconteceu depois causou uma mudança significativa em minha vida. Certo dia, eu voltava pra casa da escola de birutas e um carro parou ao meu lado. O cara me chamou e perguntou meu nome. Eu disse e, então, ele perguntou qual era minha escola e como nunca tinha me visto por ali. Quando falei da escola de birutas, ele perguntou se eu já tinha jogado futebol. Balancei a cabeça. Acho que devia dizer que já tinha visto meninos jogando, mas que eles nunca deixavam eu jogar. Mas como já disse, não sou muito bom em conversas longas, por isso fiz que não com a cabeça. Isso foi umas duas semanas depois das aulas recomeçarem.
Mais ou menos três dias depois, eles vieram e me tiraram da escola de birutas.
Minha mãe estava lá, e também o cara do carro e mais duas pessoas que pareciam seus capangas — acho que pro caso de eu aprontar alguma coisa. Pegaram tudo que era meu e colocaram numa sacola de papel marrom e disseram pra eu me despedir da srta. Margaret, e de repente ela começou a chorar e me deu um grande abraço. Depois, eu disse adeus a todos os outros birutas, e eles estavam babando, tendo ataques, batendo nas carteiras com os punhos. E daí fui embora.
Mamãe foi na frente com o cara e eu fiquei no banco de trás, entre os capangas, igualzinho como a polícia faz naqueles filmes quando levam você pra “central”. Só que a gente não tava indo pro centro. A gente ia pra nova escola secundária que tinham construído. Quando chegamos, eles me levaram pra sala do diretor, e mamãe, eu e o cara entramos, enquanto os dois gorilas esperavam no vestíbulo. O diretor era um homem velho de cabelos grisalhos com uma mancha na gravata e calças largas, e parecia que também tinha saído da escola de birutas. Todos nos sentamos e ele começou a explicar coisas e a me fazer perguntas, e eu só balançava a cabeça, mas o que eles queriam é que eu jogasse futebol. Isso eu entendi por mim mesmo.

Acontece que o cara no carro era um técnico de futebol chamado Fellers. Nesse dia eu não fui à aula nem nada, mas o técnico Fellers me levou ao vestiário, e um dos gorilas me pôs um daqueles uniformes de futebol, com todo aquele enchimento e um capacete de plástico realmente bonito com uma coisa na frente para não deixar meu rosto ser esmagado. O único problema foi que não conseguiram achar sapatos que coubessem nos meus pés, por isso tive de usar meu tênis até que encomendassem outros.
O técnico Fellers e os gorilas me vestiram com a roupa de jogador, depois me fizeram tirar a roupa, e depois me vestir de novo, umas vinte vezes, até que soubesse fazer sozinho. Durante algum tempo tive dificuldade em entender aquela coisa de atleta, porque não conseguia ver uma boa razão para estar vestindo aquilo. Bem, eles tentaram me explicar e, então, um dos gorilas disse pro outro que eu era um “palerma” ou coisa parecida, e acho que eles pensaram que eu não ia entender, mas entendi, porque presto uma atenção especial a esse tipo de merda. Não que fira meus sentimentos. Tenho sido chamado de coisas bem piores que essa. Mas percebi, apesar de tudo.
Depois de algum tempo, um bando de meninos começou a entrar no vestiário, e a tirar a roupa de futebol dos armários e a se vestir. Então fomos todos pra fora e o técnico Fellers reuniu todo mundo, me pôs na frente e me apresentou. Ele dizia um monte de merda que eu não acompanhava direito porque eu tava morrendo de medo, pois ninguém nunca me tinha apresentado a um bando de estranhos. Depois, alguns se aproximaram e apertaram minha mão dizendo que tavam felizes por eu estar ali e esse tipo de coisa. Depois o técnico Fellers soprou um apito, e levei o maior susto, e todos começaram a pular em volta pra se exercitar.

É uma história longa o que aconteceu em seguida, mas, de qualquer modo, comecei a jogar futebol. O técnico Fellers e um dos gorilas me deram atenção especial já que eu não sabia jogar. Tinha aquela coisa de ter de bloquear as pessoas. Tentavam explicar tudo direitinho pra mim, mas depois da gente tentar um montão de vezes, ninguém ficou satisfeito, porque eu não conseguia lembrar o que tinha de fazer.
Então tentaram outra coisa, que chamam de defesa, em que colocam três caras na minha frente e tenho de passar por eles e agarrar o cara que leva a bola. A primeira parte era mais fácil, porque eu só tinha de empurrar e derrubar os outros caras, mas não estavam satisfeitos com a maneira como eu agarrava o cara com a bola, e finalmente me mandaram atacar um carvalho enorme umas quinze ou vinte vezes — acho que era pra eu me acostumar com aquilo. Depois de algum tempo, quando acharam que eu tinha aprendido alguma coisa com o carvalho, me colocaram de volta com os três caras e o que carregava a bola, e ficaram furiosos porque eu não fui pra cima dele de modo violento depois de ter tirado os outros do caminho. Ouvi muito desaforo naquela tarde, e quando paramos de treinar fui ver o técnico Fellers e disse pra ele que não tinha querido pular no cara que levava a bola para não machucar ele. Ele me disse que não machucaria porque o uniforme protegia ele. Na verdade eu não tava com tanto medo de ferir ele quanto de que ficasse com raiva de mim e recomeçassem a me perseguir se eu não fosse legal com todo mundo. Resumindo a história, levei algum tempo para pegar o jeito.
Nesse meio tempo tive de ir à aula. Na escola de birutas, a gente não tinha muito o que fazer, mas ali eles eram mais sérios. De alguma forma, organizaram tudo de modo que eu tivesse três aulas iniciais de familiarização com a escola, onde você apenas se senta e faz o que quiser, e mais três aulas com uma moça que me ensinava a ler. Só nós dois. Ela era muito simpática e bonita, e mais de uma vez tive pensamentos maldosos com ela. Seu nome era srta. Henderson.

A única aula de que eu gostava era o almoço, mas acho que não dá pra chamar aquilo de aula. Na escola de birutas, mamãe preparava um sanduíche, um pedaço de bolo e uma fruta — exceto bananas — pra eu levar. Mas nessa outra escola, havia uma lanchonete com nove ou dez coisas diferentes pra comer e eu tinha dificuldade em decidir o que queria. Acho que alguém deve ter dito alguma coisa, porque depois de uma semana mais ou menos, o técnico me procurou e disse que eu fosse fundo e comesse o que quisesse porque tinha sido “providenciado”. Que merda!
Adivinha quem era da minha turma de familiarização? Nada mais, nada menos que Jenny Curran. Ela me viu no vestíbulo e disse que se lembrava de mim do primeiro grau. Ela tinha crescido, tinha os cabelos pretos bonitos, pernas longas e um rosto atraente, e também outras coisas que não posso dizer.
O futebol não estava indo exatamente como o técnico Fellers gostaria. Ele parecia muito insatisfeito e estava sempre gritando com as pessoas. Gritava comigo também. Eles tentavam imaginar uma maneira de eu simplesmente ficar parado numa posição impedindo que os outros rapazes agarrassem o que levava a bola, mas não deu certo a não ser quando corria com a bola direto para o meio da linha. O treinador estava menos satisfeito ainda com o meu ataque, e vou confessar uma coisa: passei um tempão no carvalho. Simplesmente eu não conseguia me jogar em cima do rapaz que levava a bola, como eles queriam que eu fizesse. Alguma coisa me impedia de fazer isso.
Então, um dia, um acontecimento mudou tudo isso também. Na lanchonete, eu peguei minha comida e fui sentar perto de Jenny Curran. Eu não dizia nada, mas ela era a única pessoa na escola que eu conhecia razoavelmente, e era bom sentar ali com ela. A maior parte do tempo ela não prestava atenção em mim, e falava com outras pessoas. No começo, eu me sentava com alguns jogadores, mas eles agiam como se eu fosse invisível ou coisa parecida. Pelo menos Jenny Curran agia como se eu estivesse lá. Mas pouco tempo depois disso, comecei a reparar num outro cara que também ta-va lá. Ele começou a soltar piadinhas a meu respeito. Dizia besteiras como “Como vai, pateta?” e coisas assim. E isso continuou por uma ou duas semanas e eu não respondia nada, até que finalmente eu disse — ainda agora, mal acredito que tenha dito isso — “não sou nenhum pateta”, e o cara simplesmente olhou pra mim e começou a rir. Jenny Curran disse pra ele ficar calado, mas ele pegou uma caixa de leite e entornou no meu colo. Eu dei um pulo e fugi porque me assustei.
Mais ou menos um dia depois, esse cara me encontrou no corredor e disse que ia me “pegar”. O dia todo eu senti um medo terrível, e à tarde, quando eu saí pra ir pro ginásio, lá estava ele, com a turma de seus amigos. Eu tentei ir pelo outro lado, mas ele me alcançou e começou a empurrar meus ombros. E ele dizia todo tipo de coisa ruim, me chamando de “imbecil” e coisas assim, e, então, me bateu no estômago. Não doeu muito, mas eu quase comecei a chorar, e então me virei e comecei a correr, e percebi que ele e os outros corriam atrás de mim. Corri o mais rápido que pude pro ginásio, atravessei o campo de treinamento de futebol e, de repente, vi o técnico Fellers, sentado na arquibancada me observando. Os caras que me perseguiam pararam e foram embora. O técnico Fellers — ele tava com uma cara realmente esquisita — mandou que eu fosse me vestir imediatamente. Um pouco mais tarde, ele foi ao vestiário com as jogadas desenhadas num pedaço de papel — três delas — e disse que eu decorasse elas o máximo que eu pudesse.
A tarde, no treino, ele organizou dois times, e de repente, o zagueiro me deu a bola e era pra eu correr na linha do touchdown pelo lado. Quando começaram a me perseguir, corri o mais rápido que pude — foi preciso sete ou oito deles para me segurar. O técnico Fellers ficou muito feliz; pulava e gritava, dava tapinhas nas costas de todo mundo. Já tínhamos corrido muito antes, mas acho que sou muito mais rápido quando estão me perseguindo. Que idiota não seria?
De qualquer modo, fiquei muito mais popular depois disso, e os outros caras do time começaram a ser mais simpáticos comigo. Tivemos nosso primeiro jogo e eu tava morrendo de medo, mas eles me deram a bola e corri pra além da linha do gol, duas ou três vezes, e as pessoas nunca foram tão gentis comigo. Sem dúvida esse colégio começou a mudar minha vida. Até mesmo fez eu gostar de correr no futebol, exceto que em geral me faziam correr pelos lados porque eu ainda não conseguia fazer o que gostava que era atropelar as pessoas como se faz pelo meio. Um dos capangas comentou que eu era o meio de campo do segundo grau mais largo do mundo. Não acredito que tenha dito isso como elogio.
Por outro lado, eu aprendia a ler muito bem com a srta. Henderson. Ela me deu Tom Sawyer e mais dois outros livros de que não me lembro, e levei eles pra casa e li todos, mas depois ela me deu uma prova em que não fui tão bem. Mas gostei muito dos livros.
Depois de algum tempo, voltei a me sentar perto de Jenny Curran na lanchonete, e não houve problemas até que, um dia, na primavera, eu tava indo pra casa depois da escola e dei de cara com o garoto que entornou o leite no meu colo e me enxotou naquele dia. Ele segurava uma vara e começou a me chamar de coisas como “retardado” e “imbecil”.
Havia outras pessoas olhando e, então, chegou Jenny Curran, e eu quase fugi de novo. Mas, não sei por quê, não fugi. O cara cutucou meu estômago com a vara e eu disse pra mim mesmo: que vá pro inferno. Agarrei seu braço e com a outra mão dei um soco na cabeça dele e foi o fim dessa história, mais ou menos.
Nessa noite, mamãe recebeu um telefonema dos pais do garoto que diziam que se eu encostasse a mão no filho deles de novo, iam se queixar às autoridades e fariam com que eu fosse “internado”. Expliquei pra mamãe e ela entendeu, mas ficou preocupada. Disse que como agora eu era muito grande, tinha de me controlar, pois podia machucar alguém. Concordei com a cabeça e prometi não machucar mais ninguém. A noite, quando eu tava deitado, escutei ela chorando baixinho no quarto.
Mas o que fiz naquele garoto — bater no topo da cabeça dele — trouxe uma nova luz à maneira de eu jogar o futebol. No dia seguinte, pedi ao técnico Fellers para levar a bola direto e ele concordou, e passei por quatro ou cinco caras até ter espaço e todos eles recomeçarem a correr atrás de mim. Nesse ano participei do campeonato no All State Football. Mal podia acreditar. Minha mãe me deu dois pares de meias e uma camisa nova no meu aniversário. E ela economizou e comprou um terno novo pra mim, que vesti para receber o prêmio do All State Football. Foi meu primeiro terno. Mamãe deu o laço na minha gravata e eu saí.

Winston Groom, in Forrest Gump

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