quarta-feira, 30 de março de 2022

Beijando o ponto dolorido



Quando o canal corporal ajuda a difundir as emoções de um indivíduo para outro, não se trata apenas de bocejar ou imitar, mas de sentir o que os outros sentem. Mesmo que ainda esteja enraizado em conexões corporais, aqui estamos chegando perto da verdadeira empatia. O contágio emocional, como é conhecido, começa no nascimento, quando um bebê chora ao ouvir outro bebê chorar. Nos aviões e nas maternidades, os bebês às vezes fazem coro como sapos. Pode-se pensar que eles choram em reação a qualquer tipo de ruído, mas estudos mostraram que reagem especificamente aos gritos de bebês da mesma idade. Bebezinhas o fazem mais do que bebezinhos. O fato de isso surgir tão cedo revela a natureza biológica da cola emocional da sociedade. É uma capacidade que compartilhamos com todos os mamíferos.
Na vida real, uma fêmea de orangotango selvagem balançará habilmente de uma árvore alta para outra. Seu filhote pequeno, tentando segui-la através da copa das árvores, para de repente: o espaço entre as duas árvores seguintes é grande demais. Ele choraminga e pede desesperadamente a ajuda da mãe. Ao ouvi-lo, ela pode choramingar e voltar para fazer uma ponte que ajude o jovem. Ela pega o galho de uma árvore com uma das mãos e o galho de outra árvore com a outra mão ou com o pé, depois puxa as duas árvores para mais perto uma da outra enquanto fica agarrada entre elas, permitindo que o filhote cruze usando seu corpo como ponte viva. Essa sequência corriqueira é impulsionada pelo contágio emocional — a mãe fica angustiada com os gemidos de seus filhos — combinado com a inteligência, que permite à mãe entender o problema e encontrar uma solução.
Mais surpreendente é a atração de emoções negativas. Seria de esperar que os sinais de medo e aflição fossem altamente aversivos, mas um estudo recente descobriu que os ratos são na verdade atraídos por outros ratos com dor.21 Estou bastante familiarizado com esse fenômeno em macacos rhesus jovens. Certa vez, um bebê caiu acidentalmente sobre uma fêmea dominante, que o mordeu. Ele gritou tanto que logo foi cercado por outros filhotes. Eu contei oito deles na pilha de bebês, todos subindo sobre a pobre vítima, empurrando, puxando e jogando uns aos outros para o lado. Isso obviamente fez pouco para aliviar o medo do primeiro bebê. Mas a resposta dos macacos parecia automática, como se eles estivessem tão perturbados quanto a vítima e procurassem consolar um ao outro.
Porém, essa talvez não seja toda a história. Se esses bebês macacos estavam tentando se acalmar, por que precisariam se aproximar da vítima, em vez de correr para suas mães? De fato, eles procuraram a fonte real de aflição, em vez de uma fonte garantida de conforto. Bebês macacos fazem isso o tempo todo sem qualquer indicação de que sabem o que está acontecendo. Eles parecem atraídos para o sofrimento dos outros como mariposas para a luz.
Gostamos de ler preocupação nesse tipo de comportamento, mas eles provavelmente não entendem o que aconteceu com o primeiro bebê. Eu chamo esse tipo de atração cega para aqueles que estão em apuros de pré-preocupação. É como se a natureza tivesse dotado crianças e muitos animais de uma regra simples: “Se você sentir a dor de outra pessoa, vá até lá e faça contato!”. É bom perceber, entretanto, que qualquer teoria de autopreservação estrita preveria exatamente o oposto. Se os outros ao seu redor estiverem gritando e choramingando, há uma boa chance de estarem em perigo, portanto o mais sensato seria se retirar. O mesmo se aplica aos sons de aflição. Se gritos agudos irritam seu ouvido, a coisa lógica a fazer é tapar os ouvidos ou se afastar. Mas muitos animais fazem o oposto — se aproximam para descobrir o que está acontecendo, mesmo quando os sons de dor são quase inaudíveis. O ponto é o estado emocional do outro. O fato de que ratos, macacos e muitos outros animais procurem ativamente aqueles que estão com problemas não se encaixa em cenários puramente egoístas, e prova o defeito fundamental das teorias sociobiológicas populares nas décadas de 1970 e 1980.
Em representações sociobiológicas da natureza como um lugar de competição selvagem, todo comportamento se resumia a genes egoístas, e as tendências egoístas eram invariavelmente atribuídas à “lei do mais forte”. A gentileza genuína estava fora de questão, porque nenhum organismo seria tão estúpido a ponto de ignorar o perigo para ajudar o outro. Se tal comportamento ocorresse, deveria ser uma miragem ou um produto de genes “defeituosos”. A infame frase que resumia essa época — “Arranhe um altruísta e verá um hipócrita sangrar”22 — foi citada repetidas vezes com certo regozijo: o altruísmo, dizia-se, deve ser uma farsa. A frase era usada para repelir românticos inveterados e idealistas ingênuos que acreditavam na bondade humana. Não por coincidência, foi também a época de Ronald Reagan e Margaret Thatcher, assim como de Gordon Gekko, o personagem fictício do filme Wall Street, de 1987: Gekko acreditava que a cobiça era o que fazia o mundo girar. Quase todo mundo estava correndo atrás de uma ideia simples, claramente em desacordo com a forma como os animais sociais, inclusive os seres humanos, foram moldados pela seleção natural.
Felizmente, não se fala mais sobre “genes egoístas”. Enterrada por uma massa de novos dados, a ideia de que o comportamento é invariavelmente egoísta teve uma morte inglória. A ciência confirmou que a cooperação é a primeira e mais importante inclinação da nossa espécie, pelo menos a cooperação com os membros do grupo de pertencimento, tanto que um livro sobre o comportamento humano de Martin Nowak, publicado em 2011, tinha por título SuperCooperators: Altruism, Evolution, and Why We Need Each Other to Succeed [Supercooperadores: altruísmo, evolução e por que precisamos um do outro para ter sucesso]. Quando as pessoas que participaram de um experimento de neuroimagem tiveram escolha entre uma opção egoísta e uma opção altruísta, a maioria optou pela segunda. Elas preferiam a escolha egoísta se houvesse boas razões para evitar a cooperação. Muitos estudos corroboram essa visão, dizendo que tendemos a ser gentis e abertos aos outros, a menos que algo nos detenha. Às vezes brinco que deve ser por isso que Ayn Rand, a romancista e aspirante a filósofa russo-americana, precisava daqueles volumes pesados tão entediantes, cheios de personagens frios, para defender sua posição. O argumento principal dela é que somos individualistas absolutos, mas ela teve de se esforçar muito para nos convencer, porque no fundo todos sabem que não somos assim. Em vez de uma descrição de nossa espécie, Ayn Rand ofereceu uma construção ideológica contraintuitiva.
O modo de vida padrão do primata humano é intensamente social, como mostram nossas atividades favoritas, desde assistir a jogos esportivos e cantar em coros até festejar e sociabilizar. Uma vez que derivamos de uma longa linhagem de animais que vivem em grupo, que sobreviveram ajudando uns aos outros, essas tendências são inteiramente lógicas. Andar sozinho nunca funcionou para nós.
Nadia Ladygina-Kohts forneceu um exemplo típico da natureza propensa ao social de nossos parentes primatas, incluindo a atração pelos sinais de aflição, em seu chimpanzé adotivo, Joni:

Se eu fingir que estou chorando, fechar os olhos e lacrimejar, Joni interrompe imediatamente sua brincadeira ou qualquer outra atividade, corre depressa para mim, todo agitado e exaurido, dos lugares mais remotos da casa, como o telhado ou o teto de sua gaiola, de onde eu não conseguia tirá-lo, apesar de meus chamados e súplicas persistentes. Ele corre apressadamente ao meu redor, como se procurasse o ofensor; olhando para o meu rosto, pega carinhosamente meu queixo na palma da mão, toca de leve o meu rosto com o dedo, como se tentasse entender o que está acontecendo, e se vira, firmando os dedos dos pés como punhos cerrados.

Que melhor prova da compaixão dos símios do que o fato de que um chimpanzé que se recusava a descer do telhado em troca de comida o fez instantaneamente ao ver sua dona sofrer? Quando Nadia fingia chorar, Joni olhava nos olhos dela, e “quanto mais triste e desconsolado meu choro, mais calorosa sua compaixão”. Quando ela pôs as mãos sobre os olhos, ele tentou afastá-las, estendeu os lábios para o rosto dela, olhou-a com atenção, gemendo e choramingando levemente.
Quando animais ou crianças começam a entender o que está acontecendo com uma pessoa que sofre, eles deixam para trás a atração cega e demonstram preocupação empática. Tentam aliviar a dor, como Joni fez com Nadia Kohts. É também a maneira como os pais humanos reagem quando seus filhos esfolam o joelho, batem com a cabeça ou levam tapas ou mordidas de outra criança. A maneira mais rápida de fazê-los parar de chorar é beijar o local dolorido.
O desenvolvimento inicial desse comportamento foi estudado em nossa espécie filmando crianças em suas casas. O pesquisador pede a um parente adulto que finja chorar ou aja como se estivesse com dor, a fim de ver o que as crianças fazem. No filme, as crianças parecem preocupadas enquanto se aproximam do adulto aflito. Elas gentilmente tocam, acariciam, abraçam ou beijam o adulto. As meninas fazem isso mais do que os meninos. O achado mais importante foi que essas respostas surgem muito cedo, antes dos dois anos de idade. O fato de que crianças pequenas já expressem empatia sugere que se trata de algo espontâneo, porque é improvável que alguém as instrua sobre como reagir.
Para mim, a verdadeira revelação foi que as crianças se comportavam exatamente como os símios, que não só se aproximam de alguém aflito, como passam pela mesma rotina de tocar, abraçar e beijar. Após assistir a filmes do estudo humano, percebi de imediato que o tempo todo estive pesquisando uma preocupação empática: por que deveria adotar uma terminologia diferente? Muitos animais, de cães a roedores, de golfinhos a elefantes, exibem um comportamento reconfortante, embora cada espécie use seus próprios gestos. Nas mesmas casas onde as crianças foram filmadas, os psicólogos descobriram acidentalmente que os cães também reagiam à pessoa aflita pondo a cabeça no colo dela ou lambendo seu rosto. Esse comportamento foi depois confirmado por estudos mais direcionados.
Como era de esperar, nem todo mundo gostou de ver a descrição de cães e macacos como seres empáticos, mas ao longo dos anos a resistência diminuiu. A ideia de empatia animal está agora razoavelmente bem estabelecida. Afinal, ninguém está afirmando que os cães têm todas as capacidades mentais que os humanos põem em ação para entender os outros. Muitos níveis diferentes marcam a empatia. Mas podemos certamente reconhecer nos cães sensibilidade para as emoções dos outros, a adoção de emoções semelhantes e expressões de preocupação. Esse é o motivo pelo qual consideramos o cão o melhor amigo do homem, afinal. Nos primatas, a empatia é tão óbvia e comum que agora há dezenas de estudos que examinaram a “consolação”, a tendência para confortar e tranquilizar aqueles que passaram por uma experiência dolorosa. Para documentar como os primatas se consolam, simplesmente esperamos por um incidente espontâneo que lhes provoque estresse — uma briga, uma queda, uma frustração —, e então observamos como os outros os consolam. O consolo através do contato corporal tem um efeito calmante e é típico de relacionamentos sociais íntimos. É também muito eficaz. Em um momento, uma primata está gritando a plenos pulmões e estapeando-se com movimentos espasmódicos do braço, batendo nas laterais do corpo numa birra barulhenta porque não conseguiu a comida que estava implorando. No momento seguinte, enquanto uma amiga a mantém apertada num abraço, seus gritos diminuem para gemidos suaves.
Uma vez que o comportamento de consolação não é de forma alguma limitado a bonobos e chimpanzés, fiquei feliz quando um dia um aluno que entrou para minha equipe disse que queria estudar elefantes. Com Josh Plotnik, observamos o maior mamífero terrestre, conhecido por seus laços sociais e assistência mútua. Em um santuário ao ar livre no norte da Tailândia, onde elefantes asiáticos resgatados vagam em semiliberdade, uma elefanta chamada Mae Perm corria para o lado de sua amiga, uma elefanta cega chamada Jokia, sempre que esta precisava: agia como se fosse o seu cão-guia. As duas estavam sempre em contato vocal, bramindo e ribombando uma para a outra. Se Jokia estivesse irritada ou assustada com qualquer coisa, como o bramido de um elefante macho ou o barulho de trânsito distante, as duas elefantas estendiam as orelhas e erguiam as caudas. Mae Perm podia emitir chilreios tranquilizantes e acariciar Jokia com a tromba, ou colocá-la na boca de Jokia. Isso a deixava imensamente vulnerável (nada é mais sensível e importante para um elefante do que a ponta da tromba), mas validava sua confiança na outra. Jokia fazia o mesmo, pondo a tromba na boca de Mae Perm, mostrando que a confiança era mútua.
Se outros elefantes estivessem por perto, eles podiam reagir da mesma maneira agitada que Jokia: levantavam as caudas, abanando as orelhas, às vezes urinavam e defecavam durante o gorjeio. E se posicionavam num círculo protetor ao redor dela.
Josh encontrou amplas provas de contágio emocional e consolação nesses paquidermes. No entanto, muitas pessoas consideram sua existência tão evidente que às vezes lhe perguntavam por que seus estudos eram necessários. Todo mundo não sabe que os elefantes têm empatia? De certa forma, fico feliz ao ouvir essa pergunta, porque mostra como a ideia de empatia animal se tornou bem estabelecida. Mas a ciência progride em meio a um enorme ceticismo, e quem se lembra da feroz resistência a essa ideia, como eu certamente lembro, percebe que, sem dados sólidos, ela nunca teria se consolidado. Mas definitivamente isso aconteceu, da mesma forma que agora aceitamos que o coração bombeia sangue e que a Terra é redonda. Não podemos nem imaginar que as pessoas costumavam pensar de outra forma.
Contudo, mesmo depois de chegar a esse ponto em relação à sensibilidade emocional dos mamíferos, ainda precisamos de estudos para aprender como ela funciona e em quais circunstâncias encontra expressão, porque a empatia nunca é a única opção. Mae Perm, por exemplo, não deixava de se aproveitar da cegueira de Jokia para roubar a comida dela.
Compreender a deficiência do outro também oferece maneiras de explorá-la.

Frans de Wall, in O último abraço da matriarca

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